Massa Crítica

Massa Crítica

Luís Marques

A política do ‘faz de conta’

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1 Vivemos num país do ‘faz de conta’, com políticas do ‘faz de conta’. Nada é aquilo que parece, e a distância entre a realidade e a ilusão depende do lugar que cada um ocupa na hierarquia social. O Governo ‘faz de conta’ que governa, mas limita-se a navegar à vista. A esquerda ‘faz de conta’ que é oposição, mas avaliza tudo o que o Governo faz. O PSD ‘faz de conta’ que existe, mas definha em questiúnculas internas. Estamos num período de transição em que o ‘faz de conta’ será confrontado com a realidade. E todos sabem disso.

Essa realidade vai chegando aos poucos. Por vezes de forma trágica, como agora se viu com a morte de cinco pessoas numa estrada de Borba. Depois da tragédia assiste-se ao habitual ritual de passa-culpas. Os alertas existiam, mas ninguém ligou. Nem o Estado central nem a Câmara. O Governo lava as mãos. As Câmaras não têm meios nem verbas. O Estado, central ou local, não cumpre o seu papel de garantir a segurança dos seus cidadãos. O interior continua esquecido e abandonado. Borba fica longe e não merece a visita do primeiro-ministro nem de qualquer membro do Governo.

Portugal está partido em dois. O Portugal que vive numa bolha, e o outro que sobrevive nas dificuldades e na miséria de sempre. Aquele que nos mostram na Web Summit, onde António Costa anuncia a modernidade e o futuro, e o outro, onde vivem os portugueses, em que o dia a dia continua mais ou menos igual ao que sempre foi. Há mais turistas, mais arrendamento local, mas continuam a morrer pessoas num casebre sem energia elétrica ou numa estrada sem condições mínimas de segurança. Anestesiado, o país não se indigna. Ninguém se indigna. A política do ‘faz de conta’ é um sucesso. Por enquanto.

2 No mesmo dia houve três declarações sobre uma candidatura de Espanha, Portugal e Marrocos à organização do mundial de futebol de 2030. O primeiro-ministro afirmou desconhecer tal facto. O secretário de Estado do Desporto manifestou igualmente a sua ignorância sobre o assunto. Horas depois o ministro dos Negócios Estrangeiros não só confirmou que o tal “facto” existia como estava na agenda da cimeira ibérica, realizada quarta-feira. E assim foi. No final da referida cimeira, os dois primeiros-ministros anunciaram ao mundo a primeira candidatura transcontinental à organização de um mundial de futebol.

Será que o António Costa não lê a agenda das cimeiras em que participa? Será que o secretário de Estado do Desporto desconhece uma iniciativa tão relevante da sua área? Ou estiveram ambos a ‘fazer de conta’ para não terem de explicar, entre outras coisas, porque é que o envolvimento de Portugal nesta iniciativa espanhola foi mantido em segredo?