O problema está no bolso
Os coletes amarelos estão a virar a França de pernas para o ar. Em forte contramão contra o aumento do preço dos combustíveis, um movimento espontâneo, organizado pelas redes sociais, leva Macron a enfrentar uma onda de protestos de uma dimensão assinalável, com efeitos possivelmente mais fundos do que a anterior greve dos ferroviários.
Taxas e taxinhas. A medida não é exclusiva de nenhum país em particular, no entanto tem ondas de choque bem diferentes, consoantes as paragens.
Enquanto em França o povo sai à rua, em Portugal, quase todas as segundas-feiras o povo português automobilizado é alegremente carregado com o preço do combustível, fruto de uma simpática carga fiscal.
Virar a página, diziam-nos, com pompa e orgulho. Fim da austeridade, é outra frase feita e gasta que também ouvimos nestes três anos. Pois.
E o que dizer do peso dos combustíveis nos orçamentos das empresas e das famílias, para não falar no peso dos impostos sobre o combustível na receita do Estado. Estamos, com números de 2017, na ordem dos 7%. E em França, por exemplo, os impostos sobre o combustível representam 3% do total dos impostos cobrados. Cá 7%. Mas o povo português aguenta, ai aguenta aguenta.
Prossigamos com os números. E os números são assustadores. Mais de metade do dinheiro pago em gasóleo ou gasolina vai para impostos. Pois, lá se tinha ido, até nunca mais, a austeridade.
Claro que, se formos ver o preço do barril de petróleo, está com um preço na ordem das cotações de 2014, no entanto, os combustíveis para consumidor final estão a níveis proibitivos.
Não sei se a receita mágica que este Governo propõe vai na mesma onda de baixar a potência contratada, como o ministro do Ambiente e Transição Energética (bonito nome, resta saber o fim da transição) sugeriu aos portugueses. Dizia o ministro João Matos Fernandes que não se leva muito a sério. Pois, com afirmações destas também podemos ponderar se o devemos levar a sério. É o que é, mas só falta apontarem para as bombas de gasolina do lado de lá da fronteira. Sempre são mais em conta e podemos trazer caramelos de brinde. Brincadeiras à parte, é óbvio para todos como alcançámos o défice orçamental que temos. Não há varinhas mágicas, nem milagres económicos, ao virar de cada esquina. Existe austeridade encoberta (muita gaveta com faturas e investimento à espera), uma boa dose de comunicação e um povo sereno com a esquerda ferrada no bolso.
Por falar em bolso, é bom recordar as palavras sábias do economista brasileiro António Delfim Netto, “a parte mais sensível do corpo humano é o bolso”. Pelo menos em França é, pois dos franceses se diz que têm o coração à esquerda e a carteira à direita. Em Portugal ainda está por descobrir a relação de forças.