Um apurado sentido de classe
Oito magnatas norte-americanos no topo da lista estão empenhados politicamente. Mas não é em filantropia nem em causas ambientais e fraturantes
Alguns dos multimilionários mais destacados na hierarquia mundial são conhecidos pela sua dedicação a causas ambientais e sociais e são elogiados como filantropos e beneméritos. Michael Bloomberg, o republicano que foi presidente da câmara de Nova Iorque, promove o controlo das armas e os direitos gays; George Soros financia lutas pelos direitos humanos e investigações académicas heterodoxas; Warren Buffet, Jeff Bezos e Bill Gates contribuem para causas humanitárias. Lindos exemplos, mas a grande maioria dos milionários olha noutra direção e põe os seus dinheiros e a sua influência noutras causas, segundo revela o livro “Billionaires and Stealth Politics”, de Page, Seawright e Lacombe, publicado agora pela editora da Universidade de Chicago. Os autores estudaram as carreiras dos cem multimilionários no topo da lista dos Estados Unidos e verificaram que quase todos se dedicam a financiar campanhas contra a segurança social ou pela redução dos impostos, sobretudo dos impostos sobre o imobiliário, que os incomodam dado o valor das suas propriedades, já que os impostos sobre os rendimentos do topo da pirâmide social são muito baixos.
As duas famílias
A concentração de riqueza nos EUA é acentuada. Os oito magnatas norte-americanos no topo da lista, seis Waltons e dois Kochs, possuem tanta riqueza como 44% da população dos EUA. A família Walton detém cerca de 150 mil milhões de dólares — o PIB de um país desenvolvido de dimensão média, quase o PIB de Portugal — em ações da sua vasta cadeia retalhista Walmart (do qual detêm 54%). A dinastia tem cerca de meio século: a Walmart foi criada em 1962, tendo crescido rapidamente, tornando-se a maior cadeia retalhista do mundo. Os Waltons limitaram a sua participação política direta, intervindo, sobretudo, em causas típicas da direita, como a animosidade contra a escola pública.
Os Kochs, em contrapartida, são mais intervenientes. A fortuna Koch teve origem em 1925, quando Fred Koch fundou a empresa com o nome da família e que é, neste momento, a segunda maior empresa privada dos EUA. Os dois filhos agora à frente da empresa, David e Charles, compraram, em 1983, a parte dos irmãos, Frederick Jr. e Bill, tendo desenvolvido o negócio a um ponto em que a sua fortuna ultrapassou o valor da IBM ou da Honda. Detêm indústrias petrolíferas e petroquímicas especializadas em fraturação hidráulica (fracking), com vastas participações nas indústrias transformadoras, dos equipamentos de extração, da produção química e do etanol, entre outros investimentos.
Embora a classe dirigente dos Estados Unidos aprecie, de modo geral, os serviços de grupos de reflexão de direita e tenha até, ocasionalmente, apoiado alguns deles, a ligação direta entre ambos foi malvista no passado recente, porque seria demasiado política e avessa às tradicionais normas norte-americanas que encorajam uma postura mais contida. Mas essa atitude tem vindo a mudar com a radicalização da política e, em particular, com o ascenso de Trump, um milionário de carreira modesta no imobiliário (para os padrões da burguesia norte-americana) mas que representa o triunfo da agressividade do populismo.
Uma longa história à direita
No caso dos Kochs, esse empenho político vem de há muito tempo. Fred Koch, o fundador da dinastia, foi um dos primeiros apoiantes da John Birch Society, uma rede privada do tempo da Guerra Fria e que promoveu a propaganda antissocialista. A John Birch Society foi criada em 1958, no auge do maccartismo, para perseguir comunistas e revelar as suas pretensas conspirações. Os filhos de Fred financiam agora o Cato Institute, instituição radical defensora do mercado livre e criada em 1977, envolvendo-se em ações diretas de ativismo político. Em 1980, David foi o candidato a vice-presidente do marginal Partido Libertário. Mais recentemente, os Kochs orientaram os seus esforços para a direita tradicional, financiando candidatos do Partido Republicano, mesmo os associados ao Tea Party, como parte de um esforço concertado para desviarem a política norte-americana para a direita. Entraram há pouco para a primeira liga enquanto apoiantes da campanha de Trump, especificamente através de amigos chegados, como Mike Pence (o vice-presidente) e Betsy DeVos (secretária da Educação), embora recentemente tenham criticado o Presidente por prometer muito e cumprir pouco.
Os cem multimilionários seguem estes exemplos. Afinal, lutam pela vida: menos impostos sobre a propriedade, mais apoios fiscais a quem tem fortuna e menos desperdício com aqueles que estão em baixo, os 99% da população.