EUA

Robert O’Brien. Da libertação de reféns ao aconselhamento (e resgate?) de Trump

Apesar de ser uma figura estabelecida nos círculos republicanos, O’Brien também trabalhou com democratas e tem sido o principal negociador de reféns do Presidente Trump <span class="creditofoto">Foto Tom Brenner / Reuters</span>

Apesar de ser uma figura estabelecida nos círculos republicanos, O’Brien também trabalhou com democratas e tem sido o principal negociador de reféns do Presidente Trump Foto Tom Brenner / Reuters

Ocupa desde esta quarta-feira um cargo com um prazo de validade muito curto na Administração Trump. Robert O’Brien é o quarto conselheiro para a segurança nacional em pouco mais de dois anos e meio, sucedendo ao truculento John Bolton. Com provas dadas como enviado especial para situações de reféns americanos, O’Brien herda um caderno de encargos que inclui as crescentes tensões com o Irão

Texto HÉLDER GOMES

O novo conselheiro para a segurança nacional dos EUA, Robert O’Brien, usa gravata com mais frequência do que muitos em Los Angeles mas não é o tipo de pessoa sempre “abotoada”. É desta forma que o antigo senador do Missouri Jim Talent descreve o homem que substitui John Bolton, uma semana depois de este ter posto o lugar à disposição ou de ter sido demitido pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, conforme as versões de um e de outro.

Talent, que é amigo de O’Brien há muitos anos, descreve-o como um homem duro, com um elevado grau de resistência e que não cede à pressão. “Não é o tipo de pessoa que irá tentar impor as suas opiniões políticas. Não é do género de Bolton”, garante, sublinhando que será difícil classificá-lo como um “neoconservador” ou aplicar-lhe outros rótulos da política externa. “Tudo o que tenho a dizer é que O’Brien é uma ótima pessoa e desejo-lhe o melhor no que será certamente um papel desafiador”, declarou Andrew Exum, ex-membro da Administração Obama na área da defesa.

Apesar de ser uma figura estabelecida nos círculos republicanos, O’Brien também trabalhou com democratas e tem sido o principal negociador de reféns de Trump. “Ele trabalha comigo há já algum tempo e temos um histórico tremendo ao nível dos reféns. O Robert tem sido fantástico e conhecemo-nos bem”, sintetizou esta quarta-feira o Presidente, horas depois de ter revelado a sua escolha no Twitter. Ao lado de Trump, O’Brien afirmou ser um “privilégio” ter sido selecionado.

“Temos tido enormes sucessos na política externa sob a liderança do Presidente Trump. Espero que eles continuem. Temos vários desafios mas há uma grande equipa em campo. Estou ansioso por trabalhar com eles e com o Presidente para manter a América segura e continuar a reconstruir as nossas Forças Armadas”, referiu O’Brien. Quanto à situação na Arábia Saudita, um dossiê que lhe caiu no colo após os ataques à indústria petrolífera de Riade no último fim de semana, esclareceu que iria aconselhar Trump em privado.

CASOS DE SUCESSO NA LIBERTAÇÃO DE REFÉNS

Enquanto enviado especial do Presidente no Departamento de Estado para assuntos relacionados com reféns, O’Brien trabalhou em estreita colaboração com as famílias de reféns e aconselhou funcionários da Administração nesta matéria. Ajudou a garantir a libertação em fevereiro do cidadão americano Danny Burch, que esteve preso um ano e meio no Iémen, e também trabalhou no caso do jornalista desaparecido Austin Tice, capturado na Síria em 2012 e que os EUA dizem acreditar que ainda se encontra vivo.

Formado em Direito na Universidade de Berkeley, na Califórnia, O’Brien cofundou um escritório de advogados vocacionado para questões de litígio e arbitragem internacional <span class="creditofoto">Foto Fredrik Persson /EPA</span>

Formado em Direito na Universidade de Berkeley, na Califórnia, O’Brien cofundou um escritório de advogados vocacionado para questões de litígio e arbitragem internacional Foto Fredrik Persson /EPA

Mais recentemente, foi enviado para a Suécia para monitorizar o caso do rapper A$AP Rocky, acusado de agressão num desacato de rua. A Justiça sueca permitiu que o músico regressasse a Los Angeles e aí ficasse a aguardar o veredicto. No mês passado, Hua Qu, mulher de um estudante da Universidade de Princeton que está detido no Irão, disse que gostaria de ver o mesmo nível de atenção pessoal por parte do Governo em relação ao seu marido, recorda o jornal “The Washington Post”.

INTEGROU ADMINISTRAÇÕES BUSH E OBAMA

Formado em Direito na Universidade de Berkeley, na Califórnia, O’Brien cofundou um escritório de advogados vocacionado para questões de litígio e arbitragem internacional. Foi um dos responsáveis por uma parceria público-privada para a reforma da Justiça no Afeganistão durante as Administrações de George W. Bush e de Barack Obama. Em 2005, Bush nomeou-o representante dos EUA na Assembleia Geral da ONU, onde trabalhou com o então embaixador John Bolton. Nas Nações Unidas, também fez parte de uma comissão do Conselho de Segurança que deliberou sobre queixas contra o Iraque na sequência da Guerra do Golfo.

Entre 2008 e 2011, integrou por nomeação presidencial uma comissão de consultoria para assuntos relacionados com o tráfico de antiguidades e outros itens culturais. Também foi conselheiro nas campanhas presidenciais republicanas dos antigos governadores Scott Walker e Mitt Romney e do senador Ted Cruz. E ainda trabalhou com as ex-secretárias de Estado Condoleezza Rice e Hillary Clinton. Acredita-se que O’Brien seja o mórmon mais graduado da Administração Trump, refere a BBC.

No livro “While America Slept: Restoring American Leadership to a World in Crisis” (“Enquanto a América Dormia: Restituindo a Liderança Americana a um Mundo em Crise”, numa tradução livre), O’Brien publicou uma coleção de ensaios sobre segurança nacional e política externa. Editado em 2016 e apresentado como “um alerta para o povo americano”, o livro adverte que o mundo se tornou mais perigoso “com a política externa de Obama, liderada a partir da retaguarda”. Nele, O’Brien também descreve o Irão como “o maior patrocinador estatal do terrorismo no mundo”.

DESAFIOS: IRÃO, AFEGANISTÃO E COREIA DO NORTE

O novo conselheiro para a segurança nacional, o quarto em pouco mais de dois anos e meio, assume funções escassos dias depois dos ataques a duas refinarias sauditas de petróleo. Os EUA responsabilizam as autoridades iranianas mas Teerão nega qualquer envolvimento. O duplo ataque foi reivindicado pelos rebeldes houthis, que lutam no Iémen com o apoio do Irão. No mesmo dia em que O’Brien tomava posse, o secretário de Estado Mike Pompeo discutia em Riade possíveis respostas aos ataques.

Também a questão norte-coreana será uma das prioridades de O’Brien. Após três encontros entre Trump e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, continua a faltar uma estratégia para persuadir Pyongyang a desistir das suas armas nucleares. E há ainda a delicada situação no Afeganistão: este mês, os EUA e os talibãs pareciam próximos da assinatura de um acordo mas Trump cancelou abruptamente um encontro após a morte de um soldado americano.

Em declarações ao Expresso após a saída de Bolton, Robert Donaldson, professor de Ciência Política da Universidade de Tulsa, descreveu o ex-conselheiro como “uma carta fora do baralho na Casa Branca de Trump, um ‘falcão’ assumido, um neoconservador que acredita no uso do poder militar para se opor a (e até depor) regimes que considera adversários de uma ordem mundial à imagem da América”. Com a entrada de um homem que tem um vasto currículo na libertação de reféns, talvez Trump acabe, ele próprio, por ser resgatado na sua condução da política externa. Ou talvez O’Brien não se aguente muito tempo no cargo, à semelhança dos seus antecessores.