SOBRE MESA
POR FORTUNATO DA CÂMARA

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D.R.

Muito barulho… por pouco

Um hotel clássico renovou o seu restaurante para atrair clientes passantes… ou dançantes?

A zona de Sete Rios tem uma malha urbana descaracterizada e confusa. Em parte, devido aos dois viadutos — um ferroviário o outro viário — que lhe marcam a paisagem num dos extremos, a que acresce a convivência separatista do típico bairro novo lisboeta, entre o IPO e a avenida Columbano Bordalo Pinheiro, em contraste absoluto com a avenida José Malhoa. A longa artéria que leva o nome de um pintor maior, é desafortunadamente um borrão urbano, com uma soma e esquissos e enguiços arquitetónicos desligados. A pontuar o bairro fica o imponente hotel Corinthia, anterior hotel Alfa, uma unidade hoteleira de luxo que foi um dos primeiros arranha-céus da cidade.

O antigo restaurante Típico deu agora lugar ao Erva, que mantém a entrada direta a partir da rua. No interior, surge um pé-direito de tetos desnudados para dar respiração à sala, e uma impactante profusão de plantas naturais. Em contraste há um ambiente decorativo soturno, com tons escuros nas paredes e balcões, e mesas redondas e retangulares feitas com tabuões banais encilhados por aros de ferro. Rude, sem beleza… e sem toalhas (!), salva-se a verdura. À entrada, um DJ ocupa-se da seleção musical, mas pouco dos decibéis debitados, com o pedido a ter de ser bem articulado no meio do sonido… para lá de ser ‘de ambiente’.

O menu começa por se dividir entre snacks e entradas, seguindo depois a ordenação clássica e apostando nas matérias-primas nacionais de qualidade, revelando os principais fornecedores da casa. Em modo snack vieram uns inusitados “Samos de bacalhau, grão e ovas fumadas” (€5), uma minicomposição com quatro crocantes de sabor discreto na vertente da leguminosa, com as ovas (de bacalhau) a serem um apontamento cimeiro, e com o lado gelatinoso das ‘tripas’ do pescado a estar ausente, ficando os samos a fazerem figura de corpo presente, mas sem a alma bacalhoeira. Mais agradável foi a entrada de “Carpaccio de polvo, sapateira e molho de gaspacho” (€15) com rodelas dos tentáculos dispostas em modo circular concêntrico, uma emulsão à base de suco de tomate e pimento da típica receita de verão (em novembro?) a dar cor, uma ‘brunesa fina’ (microcubos) de pepino e outros elementos do gaspacho, e pedaços da ‘carne’ da sapateira. Visualmente atraente, mas de sabores discretos. Outro snack foram as “Batatas bravas, tártaro de lulas e crème fraîche de lima” (€5,50), duas batatinhas novas recheadas de cubinhos de lula, bem temperados e com bom contraste de sabores cítricos e cremosos. Pedia mais uma unidade, dada a porção diminuta.

Nos pratos principais, a “Raia, puré de cebola assada e molho mediterrânico” (€14,50) veio bem acompanhada de vários legumes salteados (tomate, cenoura, alho-francês, espargos, alcaparras, etc.), o puré de cebola remetia mais para o legume cozido e de notas avinhadas, e algo desenxabido no tempero. O pescado deu ‘raia’ com uma ponta da ‘asinha’ do peixe plano a surgir de consistência molenga e sabor discreto, mais uma vez. Na “Corvina, arroz de lingueirão e salicórnia” (€16), tranche de pescado seca — a corvina é ladina para se ter no ponto — mas com um arroz cremoso e atomatado dos bivalves. Vistosa e boa estava a “Pá de cordeiro de leite assada com batata aligot” (€24) com a perna inteira e tenra, servida por um molho clássico do assado, e o agradável puré ligante da união entre batata e queijo (o aligot, típico da região de Aubrac).

Nos vinhos a oferta é aceitável, embora o enfoque seja nos cocktails (o novo maná para faturar bebidas). Serviço correto e eficiente. Nos doces o nível melhora, com as “Tangerinas” (€8) a serem três ‘falsos’ frutos com uma capa gomosa a envolver um parfait de tangerina, com o creme recheado com um gomo do fruto fresco. Bom o “Brûlée de yuzu, ananás dos Açores e merengue” (€8,50) com o creme sólido do citrino em contraste fresco com o sorvete de ananás e gel de manga. Intenso o “Queijo de cabra da região de Maçussa, alperce, limão e avelã” (€8,50) derretido e em pedaços, a ligar bem com alperce salteado em Armagnac.

Este Erva não se ‘fuma’, apesar de se sair com a cabeça pesada pelo prepotente som ambiente, e ‘come-se’, mas com reservas. Ao almoço não há DJ, mas a cozinha tem que tocar uma música mais sólida nos sabores finais que chegam à mesa. Está lá o produto, é pena fazer-se ‘barulho’ mostrando orgulho nele, e soar tanto empenho por tão pouco sabor.

ACEPIPE

Coentros e rabanetes…

… não vão à mesa do rei! Diz um fado popular, cuja sabedoria é corroborada desde o séc. XIII. Nas cobranças de D. Dinis no ano de 1291 — cartas forais transcritas por Rosa Marreiros — os alimentos mais taxados, por ordem decrescente, são: animais, pães, cereais, vinho, ovos, frutas e legumes, e por fim, queijo, manteiga, azeite e mel. A despensa real era alimentada com base em carne, pão e vinho. Nos animais, o mais consumido era o capão — e estamos agora em época dele — com 43 taxas cobradas, seguido de 17 galinhas, 14 frangões, e 9 “quarazil” (mantas de toucinho de porco). Os consumos de vaca, porco (inteiro), cabrito e ovelha, eram residuais. Nesse ano o rei cobrou apenas 4 vacas/bois e dois porcos.

As taxas eram cobradas nas deslocações do soberano pelo reino, e destinavam-se à alimentação da família real. Nos bovinos o rei ordenava receber a melhor rês, apesar do destino da carne ser a alimentação do pessoal que servia a corte. O rei alimentava-se de aves e de frutos pendentes, afastando-se de alimentos térreos como os quadrúpedes ou o reino vegetal, segundo a lógica religiosa da “hierarquia dos seres” que conduz o homem até Deus. O peixe também era residual, com o sável e a lampreia a serem os pescados eleitos. Nos cereais, trigo do mais limpo e refinado, para pães alvos, com a coroa a controlar toda a rede de moinhos do reino.