DESIGN

DESIGN

POR GUTA MOURA GUEDES

Sem (com) uso

Como é que o design pode ser inútil se existe precisamente — e somente — para ter utilidade?

Design sem uso é um oxímoro. Como é que o design pode ser inútil se existe precisamente — e somente — para ter utilidade? Mas, antes do mais, o que é a inutilidade? Ou, algo diferente, o estado de aparente não utilidade? Socialmente somos ensinados que não fazer nada é reprovável. Mas quem define o que é não fazer nada? Este tema, infindável e de enorme subjectividade, foi o tema da EXD’11, polémico e com todas as contradições esperadas. Passados sete anos não se encontram novas respostas, embora mais pessoas o analisem e explorem em áreas ligadas à cultura de projecto.

Falar sobre uso, inutilidade e design em Viena, a convite do Instituto de Arte e Arquitectura provocou-me uma sensação particularmente ambígua. Foi aqui que Adolf Loos, arquitecto austríaco, se instalou em 1896 e onde escreveu e apresentou pela primeira vez o seu famoso ensaio/manifesto “Ornamento e Crime”. Fê-lo naquela que foi a cidade maior do império austro-húngaro, que reúne um acervo impressionante de arte, de objectos e mobiliário em edifícios históricos diversos, de enorme beleza, vindos de uma era de fausto, barroca, mas não só. E mesmo tendo Loos combatido de forma veemente o ornamento e contribuído para uma nova arquitectura vienense, moderna e minimalista, é o ornamento que marca, com o seu preciosismo, detalhe, excesso de informação e aparente superficialidade, as paisagens visitáveis do centro histórico da capital da Áustria.

Viena mostrou-se particularmente desestabilizadora. Inesperadamente. Com o passado a submergir o presente. O tal ornamento — cuja utilidade se ancora visivelmente no reconhecimento da própria utilidade da beleza — tem aqui uma expressão maior, com muitas variações. De uma imensa delicadeza e requinte, introduz-se de modo quase letal debaixo da pele, contaminando o olhar e a percepção. Ou pelo detalhe da forma ou pelo pormenor da ideia. O facto é que bastou a observação directa de centenas e centenas de objectos, de maior ou menor escala, no extraordinário e majestoso Kunsthistorisches Museum, para rever várias ideias pré-concebidas sobre uso e não uso, sobre contenção e exuberância, sobre necessidade, rigor e inventiva.

Um facto permanece: a utilidade de algo, ou a sua inexistência, está sempre dependente do utilizador.

Para quem mais terá uso uma caixa desenhada para acomodar 100 penas de avestruz, a não ser para quem as tem e precisa de as guardar?

Guta Moura Guedes escreve de acordo com a antiga ortografia

Caixa para 100 Penas de Avestruz

Séc. XIX

Uma das peças seleccionadas para a exposição com curadoria do cineasta Wes Anderson e da designer de roupa Juman Malouf, a partir do acervo do Kunsthistorisches Museum

Frascos

Séc. XVI

A combinação de materiais muito distintos e a exploração de materiais exóticos define por vezes e por si só a forma final. Aqui uma combinação entre casca de tartaruga e metal

Jarro

1601/02

O trabalho de ourivesaria, de pura capacidade manual, conferia a estes jarros em prata dourada toda uma evidente delicadeza e informação

Quatro Estações

1569/78

Estas alegorias em bronze dourado são o que resta de uma fonte mecânica, com mais de 3 metros, encomendada pelo Imperador Maximiliano II

Taça com pegas

Século XVII

Combinação de ametista, ouro, granadas e esmalte, o trabalho minucioso das pegas marca a personalidade da peça

Peça de Centro de Mesa

1590

Talhada em cristal de rocha, com ouro e pedras preciosas. Estas peças tinham um papel especial nos grandes jantares, muitas vezes tinham mecanismos interiores e jorravam água para divertir os convidados