Exposições
Portinari: trabalho e sofrimento
© Expresso Impresa Publishing S.A.
Uma exposição em torno de uma obra referencial de um artista brasileiro que ajuda a entender a sua influência entre a geração neorrealista portuguesa
Texto José Luís Porfírio
Maioritariamente documental” no dizer das curadoras Raquel Henriques da Silva e Luísa Duarte Santos, a exposição ilustra a forte influência de Candido Portinari (1903-1962) no discurso crítico sobre o neorrealismo e a arte socialmente empenhada em Portugal entre 1940 — data da exposição em Portugal de “Café” (1936), no pavilhão brasileiro da Exposição do Mundo Português — e 1962, ano da morte do pintor. Os interlocutores portugueses de Portinari são homens da escrita como Mário Dionísio, Joaquim Namorado, Afonso Ribeiro, Alves Redol, Ferreira de Castro ou artistas que também escreveram, como Júlio Pomar ou Lima de Freitas, por eles se entende o acolhimento entusiástico que Portinari teve entre nós, acolhimento que se amplia quando em 1946 tem em Paris uma exposição com grande êxito, tendo motivado a deslocação de alguns dos seus amigos portugueses à capital francesa. Tudo isso está amplamente documentado por mais de uma centena de documentos — recortes de jornal, revistas, catálogos, correspondência, fotografias, livros ilustrados, cartazes — completados por 15 obras do pintor, o já mencionado “Café”, que veio do Brasil, e 14 que se encontram em Portugal. Este material foi estudado e inventariado e bom seria que suscitasse a publicação de uma antologia de textos completando o propósito básico desta exposição.
As obras de Portinari representam 10 por cento das entradas de catálogo, não se pense, porém, que a documentação esmaga a visualidade bem servida por capas, ilustrações e ainda por bem escolhidas ampliações fotográficas. O que fica por fazer é mostrar a influência do pintor brasileiro nos artistas portugueses, excelente pretexto para uma exposição complementar.
As 15 obras presentes são uma amostra significativa da poética expressiva de Portinari, “Café”, a obra mais antiga, é porventura a mais significativa, pois anuncia e resume todo um percurso: uma composição densa, onde o cafezal entra em cunha invertida e opressiva num espaço onde a figura humana se dobra ou carrega um peso demasiado, apenas sobrando um capataz apontando ordens e um menino, livre ainda de pesos e trabalhos, subindo a um coqueiro. O peso, o corpo que se dobra sobre a terra, o corpo hercúleo e deformado pelo esforço de membros exagerados que deu origem à “pata neorrealista” tão nossa conhecida, é uma dominante que se pode encontrar nas restantes obras, quer nos ciclos sobre o trabalho quer nas evocações da música e do carnaval com forte influência de Picasso, onde por vezes uma dança, o frevo, fica prisioneira de uma rígida malha de verticais e horizontais, ou transformando as lágrimas de uma mulher num cacho de pedras caindo do seu rosto. Tudo pesa nesta obra sobre o trabalho e o sofrimento com a ressalva de um espantalho que o “vento que passa” agita sobre um plaino seco de morte.
“Cavalo de Troia” chamou José-Augusto França a “Café”, introduzindo em Portugal as raízes de uma figuração de contestação política e um artista, afinal, bem aceite no seu país até pela “sociedade elegante”; contradição? Ela mora no coração de toda a imagem, pois onde uns veem o sinal da revolta necessária, outros leem a resignação de quem aceita e sabe o seu lugar, era assim ontem, e hoje… continua a ser.
Uma exposição em torno de uma obra referencial de um artista brasileiro que ajuda a entender a sua influência entre a geração neorrealista portuguesa