Muito estilo e pouco medo
Não é preciso pertencer ao clube dos idólatras de Dario Argento para perceber o culto do seu “Suspiria”, de 1977. Quanto mais não seja pela exuberância artificialista dos cenários, pela marcadíssima iluminação, manipulando declaradamente os cromatismos da imagem, “Suspiria” é um objeto fílmico em destaque no panorama dos filmes de terror e dos giallo que, nessa década, proliferaram no cinema popular italiano. Percebe-se a vontade de remake por parte de Luca Guadagnino, cineasta dado a filmes um pouco insólitos, atrevidos, racés. Esperavam-se muitos pingos de horror, medo com estilo. O estilo não falta, medo é que não há.
Guadagnino não é um cineasta de filmes simples, populares, de entretenimento. Argento não era Antonioni, sabia que não era e não queria ser. Guadagnino também não é Antonioni, mas sente-se no mesmo grupo, no mesmo patamar, na mesma escala. Faz filmes, não faz fitas. Está nos Óscares, não — se ainda os houvesse... — nos cinemas de bairro. De maneira que o seu “Suspiria” não poderia ser a história chã de uma jovem bailarina numa academia de dança germânica que se revela um antro dominado por bruxas sedentas de sangue. Tinha de ser temperada por mais refinadas especiarias, da utilização de Tilda Swinton (a mais vaga e inquietante das atrizes, com aqueles olhos que podem ser frios abismos), recorrente intérprete dos filmes de Luca Guadagnino, ao trabalho coreográfico com aquelas roupagens feitas de cordas vermelhas (a que falta a ousadia óbvia de não conceder nenhuma outra roupa às bailarinas e, depois, ter a perícia e a elegância de filmar sem que o resultado fosse obsceno). E tinha de fazer a história atravessar os ventos da História, do passado nazi, ao presente em que a ação é colocada, os anos de chumbo dos atentados Baader-Meinhof. A ideia seria pôr todos os fios de horror a rimar, mas é precisamente essa uma das harmonias que faltam ao novo “Suspiria”. Com bom gosto e inteligência, nunca maçador, quase nunca divertido, com uma Dakota Johnson mais desejável do que timorata, culmina num banho de sangue terminal e num volte-face narrativo a deixar abertas portas para sequelas. Esperemos que não. / Jorge Leitão Ramos