Sinal de partida

Para Márcia, tocar guitarra elétrica com palheta “foi uma libertação”

Para Márcia, tocar guitarra elétrica com palheta “foi uma libertação”

Em “Vai e Vem”, o quarto álbum, Márcia procurou novos territórios e encontrou uma nova liberdade e novas formas de cantar o amor

Texto Mário Rui Vieira Fotografia Rita Carmo

Não é fácil falar do percurso de Márcia sem referir o momento em que o país se apaixonou por ‘A Pele que Há em Mim (Quando o Dia Entardeceu)’, dueto com JP Simões que, há sete anos, a arrancou do anonimato. Mas é bem fácil comprovar que a sua música ganhou, três álbuns depois, no novo “Vai e Vem”, novas texturas, que a sua escrita de canções chega agora dotada de uma nova intensidade e que se tornou uma intérprete sem hesitações na hora de correr riscos. “Há pouco tempo enviaram-me um documentário que uns alunos de uma universidade fizeram comigo em 2011 e que nunca tinha visto. Achei engraçado, porque fiquei com curiosidade quanto à Márcia que iria encontrar”, conta ao Expresso, “e vi que mudei, cresci, mas a essência está igual. Tenho orgulho do meu percurso até aqui”. A principal mudança, esclarece, prende-se com os medos que foi perdendo pelo caminho: “Sinto-me muito mais livre.” No novo álbum, essa liberdade conquistada pressente-se, desde logo, pela relação próxima que cria com a sua guitarra elétrica. “É um mundo de possibilidades. Adoro os sons que se podem gerar com um amplificador e aquela guitarra.” A artista explica que sempre se coibiu de explorar, pelas próprias mãos, a eletricidade da sua música porque trabalha com “dois guitarristas muito bons”, Manuel Dordio e Filipe C. Monteiro. “Quando gravámos ‘Corredor’, que é, quanto a mim, a música mais eletrizada do disco, tinha o pudor de ser eu a tocar a guitarra elétrica, mas o [coprodutor] Kid Gomez achou que era melhor ser eu”, revela, “ele e o Nelson Carvalho [que gravou e misturou] puseram-me a tocar de palheta, achei o máximo... ‘Nunca tinha tocado de palheta, mas se calhar posso!’ Foi uma libertação. Todo este disco é muito uma libertação”.

Antes de confessar que os seus objetivos, hoje, dependem muito do disco que quer fazer, Márcia explica que “Vai e Vem” demorou muito mais tempo do que o previsto e que só depois de o ter em mãos se apercebeu daquilo que queria transmitir com ele. “Percebi que havia ali uma instabilidade, esse paradoxo da vida que é a perda constante, o medo da perda, mas também a possibilidade e o poder de reconstrução e recomeço. Essa superação...”, confessa ao justificar a escolha do título. “Vai e Vem” pede o nome emprestado ao dueto que gravou com António Zambujo, “é uma canção muito romântica e acho que o disco é muito sobre o amor. O amor salva, como a música, mas também te pode encurralar. Há muito o sentimento de despeito ou de desdém de quem te traiu, de quem traiu o teu amor ou a tua dedicação. Esse é outro tema que trabalho neste disco um bocadinho mais do que nos outros”. Assumindo que há vários destinatários para as canções, explica que são sempre “tus diferentes e reais”. “O de ‘Mil Anos’ é um ‘tu’ geral... Há uma espécie de constatação de que o mundo está errado, que a tua vida não se desenrolou da maneira que querias. Não atingiste muitas coisas que tinhas a expectativa de atingir, estás a mil anos daquilo a que te tinhas proposto, a oceanos de distância daquilo que almejas. E no final tens essa conclusão: a tua história és tu que a vais escrever. Ponto final. Essa frase serve todo o disco.”

‘Agora’, tema com o qual concorreu à edição do ano passado do Festival da Canção e que resolveu incluir em “Vai e Vem”, revela também uma maior liberdade vocal descoberta depois de participar num concerto de homenagem a Dina, quando estava ainda grávida do segundo filho. “Houve uma canção que me deu particular prazer a cantar, gravidíssima. Começava superdoce e depois ela passava-se e cantava ‘livre de ti vou dançar até não poder mais/ tu vais ver, vais ver-me’. Adorei interpretar isso.” Essa experiência, junto com alterações trazidas pela gravidez (“ficamos com a voz diferente, é verdade”) e uma hemorragia vocal que sofreu, “sinal de cansaço extremo, porque continuava a fazer concertos”, traduziram-se em novas texturas vocais. Esta libertação generalizada, contudo, em nada muda algo que prometeu a si própria há muito tempo, “quase desde que nasci”: “Ser honesta comigo. Não é fácil não sucumbir às exigências exteriores, só que acaba por ser evidente resistir-lhes. Não consigo fazer música de outra forma. Não vou ser aquilo que não sou.”