Zona euro

Orçamento Ainda não foi desta que Centeno retirou o nosso país da lista de incumpridores. Mas nada que se compare ao vermelho a Itália

Portugal ainda no clube dos maus alunos

“Il Portogallo non è l’Italia”, vai dizer Centeno, com o seu sorriso de marca, ao ministro italiano Tria<span class="creditofoto"> </span><span class="creditofoto">FOTO Thierry Monasse/Getty Images</span>

“Il Portogallo non è l’Italia”, vai dizer Centeno, com o seu sorriso de marca, ao ministro italiano Tria FOTO Thierry Monasse/Getty Images

Jorge Nascimento Rodrigues

Portugal voltou a levar um puxão de orelhas da Comissão Europeia, mas, comparado com o cartão vermelho a Itália e mesmo com os alertas relativos aos orçamentos da Bélgica, Espanha e França, Mário Centeno tem razões para sorrir. Os desvios que o Orçamento português para 2019 apresenta aos olhos dos critérios de Bruxelas são bem menores. A avaliação final aos orçamentos para 2019 dos países da moeda única, publicada esta semana, deixa o Governo português mais perto da porta de saída das reprimendas anuais da Comissão.

Apesar de ainda estar a mais de um ponto percentual do objetivo de médio prazo para o saldo orçamental estrutural (corrigido do ciclo económico e sem medidas extraordinárias), que corresponde a um excedente de 0,3%, o Orçamento tem um desvio inferior aos identificados para Itália, Espanha, França e Bélgica. A economia portuguesa saiu no verão de 2017 do Procedimento de Défice Excessivo (PDE), para onde Itália se encaminha agora (ver texto na página seguinte), e a dívida pública libertou-se definitivamente, este ano, do rating de ‘lixo’.

Os piores são Espanha, França e Itália, que ficarão muito abaixo das metas de médio prazo

Mas, mesmo à porta de saída, Mário Centeno ainda não se livrou do clube dos maus alunos que foram declarados em “risco de incumprimento”. Tinham recebido cartas de Bruxelas em outubro a alertar para os riscos detetados nos esboços orçamentais, e o veredicto foi agora confirmado no balanço final que a Comissão enviou ao Parlamento Europeu, Conselho Europeu e Banco Central Europeu. Depois de Itália, que é o caso mais grave, os dois piores são Espanha e França, que em 2019 ficarão mais distantes das metas de médio prazo que lhes foram fixadas.

A nódoa negra no Orçamento português

No caso de Portugal, o ministro das Finanças promete um ajustamento estrutural de 0,3 pontos em 2019, com o défice estrutural a baixar de 0,6% para 0,3%. Bruxelas não só não acredita que essa redução seja conseguida — apontando para um défice estrutural inalterado no próximo ano — como assinala que é inferior aos 0,6% exigidos pelas regras europeias.

As contas dos técnicos da Comissão apontam, inclusive, para um agravamento em 2020. Segundo as previsões de outono, publicadas na semana passada, o défice estrutural português deverá manter-se em 0,9% do PIB em 2018 e em 2019 e subir para 1% em 2020, regressando a um nível próximo de 2017.

Esta é, provavelmente, a nódoa negra nas contas de Centeno. Mas vale-lhe o facto de a metodologia do cálculo do saldo estrutural ser muito contestada. “Esta metodologia exige calcular o hiato do produto [output gap], o que requer muitas hipóteses arbitrárias. Por isso, muitos especia­listas recomendam que o PEC seja revisto, de modo a que as exigências sejam formuladas em termos de indicadores simples e compreensíveis por todos, em vez de [serem feitas] na base do défice estrutural”, refere-nos Eric Dor, diretor de Estudos Económicos do IESEG da Universidade Católica de Lille, em França, que tem publicado diversos estudos sobre a zona euro.

Centeno e Costa esperam que Bruxelas se engane

No que toca ao défice global, o padrão é similar no clube dos malcomportados. A França revela um desvio importante no próximo ano no défice global — agrava-o de 2,6% do PIB no ano anterior para 2,8%, quando devia baixá-lo para 2,4%. Espanha desce o défice de 2,7% para 1,8%, segundo o Governo, mas devia reduzi-lo para 1,3% no mesmo período. A Bélgica devia baixar o défice de 1% para 0,7% de um ano para o outro e vai mantê-lo em 1%, de acordo com o Governo, ou mesmo aumentá-lo ligeiramente, segundo a Comissão Europeia.

Comparado com estes desvios, o incumprimento de Mário Centeno é moderado — promete reduzir o défice de 0,7% para 0,2%, o que cumpriria a meta fixada para 2019, mas a Comissão duvida e prevê que, na realidade, o Governo só consiga descer uma décima, para 0,6%. Em suma, pelas contas de Bruxelas, o défice pode ser o triplo do que estima o Governo, o que corresponde a uma diferença na ordem dos €800 milhões. Mas o ministro das Finanças e o primeiro-ministro esperam que a Comissão se engane, uma vez mais, nas previsões. O que permitiria a António Costa voltar ao Twitter para lembrar esses enganos habituais ao seu amigo comissário Pierre Moscovici.

Na redução da dívida pública em percentagem do PIB, o panorama é o mesmo. Itália lidera na divergência em relação ao que deveria fazer, mas é seguida, de perto, por França, Eslovénia e Espanha. No caso de Paris, a dívida deveria descer de 98,7% em 2018 para 96,2% do PIB em 2019, mas vai ficar em 98,5%, segundo a Comissão. Em Madrid, o rácio deveria baixar de 97% para 95,2%, mas vai ficar em 96,2% no próximo ano. Liubliana deveria descer a dívida de 70,3% para 65,2%, mas só consegue reduzi-la para 66,3%. Os desvios mais pequenos registam-se na Bélgica e em Portugal. A Comissão não acredita que o Governo português consiga descer a dívida de 121,2% do PIB para 118,5% em 2019, apenas uma décima acima do objetivo de 118,4%. Nas previsões de outono, a Comissão aponta para 119,2%, o que significa um desvio de oito décimas. Os desvios nos casos de Itália, França, Eslovénia e Espanha são superiores a um ponto percentual, tomando por base as previsões da Comissão para 2019.

CONTÁGIO ITALIANO CONTINUA BLINDADO Os juros dos títulos do Tesouro portugueses e italianos no mercado secundário da dívida subiram ligeiramente no início da semana, mas acabaram por descer para níveis abaixo do fecho da semana passada, apesar de a Comissão Europeia ter aberto o caminho para um procedimento de défice excessivo (PDE) em relação a Itália. Os juros no prazo a 10 anos tocaram os 2% durante as sessões de terça e quarta-feira, mas caíram para perto de 1,9% na quinta-feira. O mesmo comportamento observou-se nos juros dos títulos italianos naquele prazo de referência, que subiram acima de 3,6% na terça-feira para descerem para 3,4% na quinta-feira. O PDE para Itália ainda não assusta os investidores no mercado das obrigações. No entanto, o custo dos credit default swaps (CDS, no acrónimo), os instrumentos financeiros que funcionam como seguro contra um risco de incumprimento, dispararam na quarta-feira para um máximo do ano, fechando em 286,1 pontos-base. No dia seguinte desceram para níveis abaixo do fecho da sexta-feira anterior.

PIB per capita português não converge com a UE desde 2016

Rendimento por habitante está ao nível de 2016, em 77,6% da média europeia. Portugal caiu para 21º na UE-28 e pode chegar a 2030 mais atrás do que em 1999

Joana Nunes Mateus

Entre 2016 e 2018, Portugal caiu três posições na tabela europeia do Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) em paridades de poder de compra. Em 2016, Portugal ascendeu de 19º a 18º na economia mais desenvolvida da UE-28, ao convergir para um PIB per capita equivalente a 77,6% da média europeia. Mas desde então não tem crescido o suficiente para se aproximar da média europeia ou evitar ser ultrapassado pelos seus rivais de Leste. Em 2017, divergiu para 77,4% e viu a Lituânia e a Estónia passar-lhe à frente. Em 2018, deverá retornar aos 77,6% de há dois anos, o que não chega para impedir nova ultrapassagem pela Eslováquia.

Pior posição de sempre

Hoje, Portugal já estará em 21º, a confirmarem-se as previsões. É a pior classificação de sempre de um país que já ocupou o 16º lugar no contexto europeu, antes de ser ultrapassado pela Eslovénia em 2003, pela República Checa em 2007 e por Malta em 2010. Mesmo nos tempos da troika, só caiu para o 20º lugar durante o ano de 2014. Pior só mesmo a Grécia, que desde 2010 se afundou de 15º para 25º.

Basta comparar a inclinação da trajetória de convergência entre os mais pobres da UE (ver gráfico) para perceber quão estagnados estão Portugal e a Grécia perante a velocidade com que os rivais de Leste aceleram rumo à média europeia.

Entre 2016 e 2018, por exemplo, enquanto os portugueses convergiram zero pontos com a média europeia, os romenos convergiram seis, os lituanos e os letões cinco, os polacos quatro e os estónios, os búlgaros e os húngaros três.

Para 2019, as previsões de Bruxelas apontam para que Portugal se aproxime apenas uma décima da UE-28, quando quem vem atrás convergirá entre seis a 17 vezes mais. De facto, ainda esta semana, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Comissão Europeia confirmaram que até a economia grega crescerá acima da portuguesa em 2019.

Ora, a este ritmo de convergência com a UE-28, Portugal não conseguirá segurar o 21º lugar por muitos mais anos, pois será ultrapassado por Polónia, Letónia ou Hungria até meados da próxima década. O próprio primeiro-ministro polaco já avisou que ultrapassará Portugal muito em breve.

Se não puser o pé no acelerador nesta cada vez mais exigente corrida pela convergência europeia, Portugal arrisca-se a chegar a 2030 mais distante da Europa do que estava há três décadas. Recorde-se que em 1999 chegou a aproximar-se dos 84% da UE-28.

São recorrentes os apelos de instituições como o Banco de Portugal e o Conselho das Finanças Públicas, cá dentro, ou da Comissão Europeia, lá fora, quanto à necessidade de políticas que aumentem o potencial de crescimento do país. Ainda esta semana, Bruxelas advertiu o Governo português de que o problema não está só na dívida mas também no fraco crescimento da produtividade.

No recente parecer sobre o Orçamento para 2019, o Conselho Económico e Social pôs o dedo na ferida ao considerar que “um crescimento praticamente em linha com a média da UE não corresponde, de facto, ao desígnio da convergência” e que uma tendência de crescimento no médio prazo em torno de 2% “é claramente um objetivo insuficiente para uma economia que está ainda longe dos níveis médios de desenvolvimento da UE”. Segundo este órgão de consulta e concertação social, um crescimento real de pelo menos 3% “é um requisito fundamental para termos uma alavancagem construída com base numa dinâmica virtuosa de reforço competitivo da economia, ou seja, com um contributo convergente das suas várias componentes (investimento, consumo e procura externa), e com isso prosseguirmos, ao mesmo tempo, uma consolidação das contas públicas nacionais sem recurso a medidas orçamentais mais restritivas e condicionadoras do desenvolvimento do país”.

Bruxelas quer dar castigo exemplar a Itália

A Comissão diz que Roma não cumpre na dívida e deverá abrir em janeiro um procedimento de défice excessivo

Jorge Nascimento Rodrigues e Susana Frexes correspondente em Bruxelas

Bruxelas mantém o braço de ferro com Itália por causa do Orçamento para 2019. A Comissão Europeia não transigiu com os desvios nas metas orçamentais que o governo de coligação do Movimento 5 Estrelas e da Liga se recusou a corrigir no segundo plano orçamental enviado para Bruxelas. E não só os planos orçamentais de Roma incumprem as regras europeias de forma particularmente grave, como o executivo comunitário fala agora numa violação das regras de redução da dívida, o que justifica um procedimento de défice excessivo (PDE) que pode ser lançado no início do próximo ano.

A equipa de Jean-Claude Juncker não pode pegar pelo agravamento flagrante no défice orçamental, de 1,8% em 2018 para 2,4% do PIB no ano seguinte, porque vai ficar abaixo do limiar vermelho dos 3%. Mas o facto de o Orçamento para 2019 não cumprir o ajustamento orçamental exigido foi um dos elementos tidos em conta pela Comissão num relatório paralelo sobre a dívida italiana, no qual concluiu que o país deixou de cumprir as regras nesta matéria. Nas previsões de Bruxelas, a dívida italiana vai manter-se nos 131% nos próximos anos, quando deveria descer para 128%. E essa falta de esforço para reduzir a segunda maior dívida da União Europeia é usada para lançar um castigo exemplar. Diz o executivo comunitário que é “justificado” avançar com um PDE.

Os desvios de Itália no orçamento de 2019 são de grande amplitude. Itália deveria reduzir o défice estrutural em seis décimas, e vai engordá-lo em cerca de 1 ponto percentual do PIB, referiu na quarta-feira o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, sublinhando que os “números [italianos] falam por si” sobre o que, em outubro, chamou de estratégia “consciente” de incumprimento. No entanto, esta metodologia é contestada. “A Comissão está a sobreavaliar o défice estrutural de Itália, pois estima, de um modo surpreendente, um hiato do produto (output gap) na ordem de 0,5%. Bruxelas calcula que o PIB italiano será ligeiramente superior ao seu nível de pleno emprego. O que é irrealista”, refere-nos Eric Dor, diretor de Estudos Económicos do IESEG em Lille, em França. A consequência desse “irrealismo” da Comissão é importante: “A maior parte dos especialistas estima que o hiato do produto ainda é negativo, entre -1% e -5%, em vez de positivo. Assim, se Bruxelas tivesse em conta esse desvio negativo, o défice estrutural calculado seria inferior, e, por isso, mais próximo das exigências da Comissão”, conclui o economista.

Itália deveria ainda baixar o défice nominal para 0,8% do PIB em 2019, mas, na proposta do Governo, sobe-o para 2,4%. Nas contas da Comissão, será até muito maior, chegará a 2,9%, superior inclusive ao que é previsto para França.

Novo round em dezembro

O relatório da Comissão Europeia sobre a dívida vai agora ser analisado a nível técnico pelos Estados-membros que têm duas semanas para formalizar uma opinião. Se concordarem com a avaliação publicada esta semana, então o executivo dará o próximo passo: informa Itália e os ministros das Finanças da União (reunidos no ECOFIN) sobre a conclusão: a dívida italiana já não cumpre as regras.

A próxima reunião do ECOFIN é já no dia 4 de dezembro. Um dia antes haverá reunião dos ministros das Finanças da Moeda Única (reunidos no Eurogrupo) e Mário Centeno, o presidente, diz que a avaliação que a Comissão fez dos Orçamentos vai ser analisada. Só depois é que a Comissão deverá formalizar uma proposta de abertura de um PDE que, uma vez mais, terá de ser aprovada pelos ministros das Finanças dos 28. Essa recomendação deverá incluir novas metas orçamentais para Itália e estabelecer um prazo para serem cumpridas. O calendário não está fechado, mas ao que o Expresso apurou não é de esperar o lançamento de um PDE contra Itália antes do início de janeiro.