PORTOS

Paragem em Setúbal provoca quebra nas vendas de carros

Os conflitos no porto de Setúbal marcaram a manhã da passada quinta-feira, com a polícia a afastar os estivadores em protesto, para deixar passar os seus substitutos <span class="creditofoto">FOTO RUI MINDERICO/EPA</span>

Os conflitos no porto de Setúbal marcaram a manhã da passada quinta-feira, com a polícia a afastar os estivadores em protesto, para deixar passar os seus substitutos FOTO RUI MINDERICO/EPA

Por Setúbal passam mais carros importados que exportados, mas a Autoeuropa está a ser particularmente atingida pois quer colocar o T-Roc fora do país e não consegue

Vítor Andrade

Ainda não está quantificado, mas a Associação Automóvel de Portugal (ACAP), que reuniu esta semana, teme já uma quebra significativa na venda de carros durante este mês, em contraciclo com praticamente todos os restantes meses do ano.

É que do porto de Setúbal — agora a ferro e fogo — não saem apenas os carros produzidos em Palmela na fábrica da Autoeuropa. “A maior parte dos automóveis importados entram também por ali”, explica ao Expresso Hélder Pedro, secretário-geral daquela associação. O Expresso apurou que por Setúbal passam, aliás, mais carros importados que exportados.

“Até com o Porto de Setúbal a funcionar normalmente temos tido dificuldade em satisfazer todas as encomendas, quanto mais com uma situação destas. É que a procura tem vindo a crescer (o mercado está em alta desde 2015) e algumas importações já têm de ser feitas por via rodoviária, o que encarece todo o processo logístico”, nota o dirigente da ACAP.

Depois de um impasse de quase três semanas, na quinta-feira a Autoeuropa conseguiu embarcar em Setúbal cerca de 2000 automóveis produzidos em Palmela e enviá-los para destinos europeus, onde já eram aguardados há algum tempo por vários revendedores. Mas o navio carregador de automóveis “Paglia” chegou vazio a Setúbal, “ao contrário do que é habitual”, segundo o dirigente da ACAP.

Aquela operação de quinta-feira, sob forte escolta policial, foi apenas uma pequena parte da solução para o problema que está a ser o armazenamento de mais de 15 mil automóveis da Autoeuropa que, além do porto de Setúbal, já ocupam uma vasta área da base aérea do Montijo.

A incerteza quanto a próximos carregamentos mantém-se, pelo menos enquanto não houver entendimento entre a administração do porto de Setúbal, os seus operadores logísticos, os sindicatos dos estivadores e também o Governo, que várias fontes envolvidas acusam de ter andado arredado da questão central: conseguir, através do diálogo, um entendimento que deixe funcionar a economia e respeite os direitos laborais dos trabalhadores.

Sete navios cancelados

A meio da semana, a Volkswagen fez saber que desde o início das paralisações no porto de Setúbal foram cancelados sete navios de transporte de automóveis e que “a única alternativa a Setúbal é Setúbal. Outras soluções encontradas não garantem o escoamento da totalidade da produção diá­ria”, muito menos os portos espanhóis de Vigo e Algeciras, mas também Leixões, para onde já estão a ser enviados, por camião, algumas centenas de veículos produzidos em Palmela.

A Associação Industrial da Península de Setúbal (AISET) também acompanha com preocupação o conflito laboral que decorre no porto da cidade do Sado. “Sendo os associados da AISET predominantemente empresas exportadoras da região, clientes do porto de Setúbal, todas as dificuldades criadas ao expedito e regular escoamento das suas encomendas para clientes no exterior provocam acrescidas dificuldades e prejuízos na sua operação”, nota Nuno Silva, diretor-geral daquela associação.

O economista Augusto Mateus não tem dúvidas em afirmar que Setúbal está apenas a destruir valor, perdendo rotas que pode ter alguma dificuldade em voltar a recuperar. “Por outro lado, não deixa de ser curioso que, um país onde se fala tanto dos problemas do interior não consiga valorizar o seu litoral.”

Saíram carros da Autoeuropa, mas a fruta ficou no mar

O porto de Setúbal está a pagar a fatura da falta de fiscalização às concessões e aos licenciamentos portuários

Ao 18º dia, a empresa de trabalho portuário Operestiva, apoiada por um contingente de forças de segurança, conseguiu fazer entrar um autocarro com trabalhadores no porto de Setúbal para substituir os estivadores precários, parados desde 5 de novembro, e carregar dois mil automóveis da Autoeuropa num navio. “Não são estivadores”, garante o SEAL — Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística. “Não sendo trabalhadores portuários, a operação devia ter sido interrompida por violação da lei”, acrescenta o Sindicato dos Trabalhadores das Administrações e Juntas Portuárias que, na quinta-feira, juntou a sua voz neste protesto.

O Expresso pediu à Operestiva informações sobre os 30 trabalhadores ‘mistério’ que estiveram no porto esta semana, mas não teve resposta. Em comunicado, a empresa que está no centro do conflito com os estivadores saúda “a coragem” de quem estava a carregar o navio e prevê que “até ao final do mês seja possível repor o normal funcionamento das operações através do esforço de recrutamento que tem sido feito”.

Sexta-feira, o autocarro voltou a entrar no porto de Setúbal. O navio tem de ficar no porto sadino até domingo porque “a inexperiência de quem entrou na operação depois de meia hora de formação só permitiu carregar uns 400 automóveis”, diz ao Expresso António Mariano, presidente do SEAL.

O conflito começou no dia 5, nos terminais Ro-Ro e de contentores. Agora, parou o resto do porto

Mais: “O navio da Autoeuropa foi carregado, mas há outros seis navios que não puderam carregar nem descarregar porque todo o porto parou, em solidariedade. Um deles trazia fruta”, acrescenta o dirigente sindical. Isto significa que o conflito no universo da Operestiva e das empresas de estiva Navipor e Sadoport, em dois dos terminais de Setúbal, passou a afetar, também quem trabalha na Tersado e Sapec, num total 150 estivadores precários porque “a média de efetivos no porto é de 10%”, sublinha.

Setúbal está, agora, “a pagar a fatura da falta de fiscalização das concessões”, diz o Sindicato dos Trabalhadores das Administrações e Juntas Portuárias, apontando o dedo às administrações portuárias e ao IMT — Instituto de Mobilidade e dos Transportes por “não vigiarem o cumprimento da lei”. O Ministério do Mar, de forma mais indireta, já reconheceu que há demasiado trabalho precário em Setúbal e pediu correção “de disfunções”, admitindo que cabe ao IMT “proceder a uma avaliação contínua (...) verificando se estão reunidos todos os requisitos de atividade de que depende o licenciamento, sob pena de caducidade do mesmo”.

Margarida Cardoso