EMPREENDEDORISMO

Vem aí o primeiro fundo para apoiar startups de impacto social em Portugal

António Miguel, diretor geral da Maze, e Luís Jerónimo, diretor do programa de Integração e Coesão Social da Fundação Calouste Gulbenkian <span class="creditofoto">FOTO Nuno Fox</span>

António Miguel, diretor geral da Maze, e Luís Jerónimo, diretor do programa de Integração e Coesão Social da Fundação Calouste Gulbenkian FOTO Nuno Fox

A portuguesa Maze, incubada pela Gulbenkian, e a inglesa Mustard Seed criam fundo de capital de risco com dimensão até €40 milhões

Maria João Bourbon

Portugal tem as condições ideais para ser um dos principais centros de investimento de impacto social na Europa — ou pelo menos é nisto que acreditam a portuguesa Maze, empresa de investimento de impacto criada pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013, e a Mustard Seed, capital de risco inglesa que opera na mesma área. “Tal como Londres é a capital europeia das fintech e Berlim das indústrias criativas, estamos a tentar posicionar Lisboa como capital europeia de empreendedorismo social”, adianta ao Expresso António Miguel, diretor-geral da Maze.

As duas organizações juntaram-se para criar a Mustard Seed Maze, a primeira sociedade de empreendedorismo social registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e estão a finalizar o primeiro fundo de capital de risco para financiar projetos de empreendedorismo social e ambiental no país. “Portugal é um ótimo mercado de teste: tem ótimo talento, muito qualificado e barato”, sublinha António Miguel. “E o seu tamanho relativo é uma vantagem para testar soluções.”

O Mustard Seed Maze Social Entrepreneurship Fund I terá uma dimensão de até €40 milhões, valor que se prevê que seja alcançado até ao final do ano. À data, já foram angariados cerca de €30 milhões, sendo o Fundo Europeu de Investimento (FEI) o investidor-âncora, ao financiar metade do valor. O veículo conta também com a participação da Fundação Calouste Gulbenkian e do Banco Atlântico Europa, cada um com €2,5 milhões. Segundo a CMVM, permite a qualquer pessoa investir, embora os montantes permitidos sejam diferentes para investidores profissionais ou amadores (ver caixa).

Impacto social e ambiental

Com o objetivo de financiar startups portuguesas (embora exista flexibilidade para investir noutros mercados europeus, fora do Reino Unido) que criem impactos positivos, mensuráveis e sustentáveis na sociedade, este fundo de capital de risco mantém o objetivo de retorno financeiro. “Estratégias de investimento com base na criação de impacto conseguem simultaneamente proporcionar retornos financeiros competitivos e resultados sociais e ambientais duradouros”, acredita António Miguel. Uma ideia partilhada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que financia pela primeira vez uma iniciativa de impacto em Portugal diretamente através da sua carteira de investimentos. Luís Jerónimo, diretor do Programa de Integração e Coesão Social, sublinha que “os investidores procuram cada vez mais soluções de retorno financeiro ligadas ao impacto social”.

Concretamente, este veículo vai procurar apoiar empresas que operem em quatro áreas distintas — inclusão económica, sustentabilidade económica e ambiental, educação ou saúde e bem-estar —, investindo entre €50 mil e €1 milhão para adquirir entre 10% e 40% da empresa (seguindo-se a possibilidade de investimento série A até €3 milhões) e uma posição no conselho de administração. A componente tecnológica dos projetos também “vai ser determinante nas startups a apoiar, já que permite assegurar escala e uma maior acessibilidade, ao mesmo tempo que reduz custos”, acrescenta Luís Jerónimo.

A Gulbenkian entrou, em junho, no capital social da Maze (ex-Laboratório de Investimento Social) através de uma golden share, que lhe proporciona voto privilegiado em decisões estratégicas da empresa. A decisão está em linha com o plano estratégico da Fundação para a área de Inovação Social, onde se preveem investimentos de cerca de €10 milhões nos próximos cinco anos.

Unicórnios do futuro

A decisão de avançar com o primeiro fundo de capital de risco para o empreendedorismo social no país assenta na crença de que os grandes negócios do futuro serão aqueles capazes de solucionar os maiores problemas sociais e ambientais do mundo. “Os próximos unicórnios serão empresas de impacto social”, defende o diretor geral da Maze, que acredita que “o impacto é a maior oportunidade económica dos nossos tempos”. “Isto não é algo que acontece ao lado: acreditamos que incluir impacto nas decisões estratégicas das empresas é uma oportunidade de negócio enorme.”

Cada vez mais os trabalhadores querem e os consumidores exigem empresas socialmente responsáveis. Quase três quartos dos millennials procuram um emprego onde sintam que podem fazer a diferença na sociedade, como mostra um estudo de 2016 do LinkedIn. E, de acordo com a consultora Nielsen, 66% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos de marcas sustentáveis.

É por isso que Luís Jerónimo acredita que, tal como hoje existem departamentos de qualidade nas organizações, “mais cedo ou mais tarde existirão departamentos de impacto”. Mas serão “muito diferentes dos atuais departamentos de responsabilidade social”, que são muitas vezes usados “como uma ferramenta de marketing”.

O impacto social e ambiental, por sua vez, deve ser medido por indicadores concretos. Segundo a Maze, a forma mais eficaz passa por escolher apenas um ou dois indicadores para o fazer. “Podem ser as toneladas de desperdício e as emissões de CO2 evitados, no caso de projetos como a Fruta Feia, ou o número de pessoas que entram no mercado de trabalho com a ajuda da Academia de Código.”