Orçamento do Estado

PS quer Fisco com poderes para investigar amnistias fiscais

Parlamento enfrenta na próxima semana uma maratona de votações. São quase mil propostas de alteração, a somar à proposta de Orçamento<span class="creditofoto"> foto Marcos Borga</span>

Parlamento enfrenta na próxima semana uma maratona de votações. São quase mil propostas de alteração, a somar à proposta de Orçamento foto Marcos Borga

Se depender dos deputados do PS, a partir do próximo ano os formulários das três amnistias fiscais passarão das mãos do Banco de Portugal e do sector financeiro para a Autoridade Tributária (AT), que vai poder controlar os contribuintes que aderiram. Estes três perdões permitiram legalizar seis mil milhões de euros escondidos no estrangeiro e amnistiaram os crimes fiscais associados, a troco do pagamento de uma taxa. António Costa tem a palavra final

Elisabete Miranda

Catarina Martins tem vindo a insistir que a Autoridade Tributária passe a ter acesso aos dados das três polémicas amnistias fiscais que Portugal ofereceu entre 2005 e 2012, que permitiram passar uma esponja sobre cerca de seis mil milhões de euros que estavam ilegalmente no exterior e, se depender do Partido Socialista (PS), a medida é para aprovar na próxima semana — pelo menos em parte.

Depois de terem passado em revista as quase mil propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2019, um número recorde que deixou Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Centeno alarmados, os deputados do PS resolveram, logo à partida, riscar tudo quanto represente aumento de despesa ou diminuição de receita. Propostas como a atualização dos escalões de IRS, descidas adicionais de IVA ou reforços de transferências orçamentais merecerão, à partida, o chumbo dos socialistas.

Medidas que poderão até reforçar a receita, como é o caso da criação de um escalão adicional de IMI ou de outro escalão na derrama estadual (um adicional ao IRC pago pelas empresas), estavam ainda com um ponto de interrogação, apesar de o grupo parlamentar se inclinar para a sua reprovação, devido aos sinais de permanente instabilidade que transmitem.

As declarações de adesão ao RERT dão aos contribuintes uma espécie de salvo-conduto, impedindo o Fisco de os investigar

Entre as medidas que, para o PS, têm pernas para andar está por exemplo a proposta do Bloco de Esquerda relativa aos RERT — os Regimes Excecionais de Regularização Tributária lançados em 2005, 2010 e 2012 — e que, no espaço de sete anos, permitiram a legalização de seis mil milhões de euros escondidos no estrangeiros (sobretudo na Suíça) e uma amnistia dos crimes fiscais associados, a troco do pagamento de uma taxa.

Os formulários de adesão a estas amnistias estão nas mãos dos bancos e do Banco de Portugal, e só podem ser acedidos pelo Ministério Público mediante a autorização de um juiz. O Fisco não só não pode vê-los como não tem meios de saber se a declaração de regularização que os contribuintes lhes exibem, no âmbito de uma investigação, corresponde efetivamente ao que está a ser investigado.

O problema levantado pelo BE não vem de agora e já tinha sido inclusivamente levando por Fernando Rocha Andrade, numa das últimas intervenções que fez no Parlamento antes de abandonar o cargo de secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Na altura, fazendo uma espécie de mea culpa sobre as responsabilidades que o PS também teve nesta matéria (duas das amnistias foram lançadas por José Sócrates), o responsável, agora deputado, explicava que, se a AT detetar que alguém tinha ocultos no estrangeiro 10 milhões de euros, ela não tem meios de saber se esses se esses 10 milhões são os valores regularizados num RERT (e, portanto não lhes pode tocar, porque estão amnistiados) ou se são outros 10 milhões quaisquer (que o contribuinte afirma serem os mesmos).

A situação aplica-se aos três RERT mas especialmente ao último, lançando pelo PSD/CDS que, além de ter sido muito mais concorrido (regularizou 3,45 dos 6 mil milhões de euros), não exigiu o repatriamento de capitais para Portugal, sendo mais difícil seguir o seu rasto.

Proposta do BE, que a bancada do PS está inclinada a aprovar parcialmente, dá à Autoridade Tributária mais poderes

Para ultrapassar esta situação, o BE vem agora propor três coisas: que o Banco de Portugal e as instituições financeiras transmitam ao Fisco os formulários que têm na sua posse; que os contribuintes que foram ou venham a ser alvo de uma inspeção e se tenham justificado com a adesão a um RERT identifiquem exatamente os factos que foram regularizados (para que o Fisco saiba o que está dentro e fora da amnistia; e que todos os contribuintes em geral, que tenham aderido à amnistia, prestem esclarecimentos ao Fisco sempre que estes lhes sejam pedidos.

Fonte parlamentar do PS adiantou ao Expresso que o partido está inclinado a acompanhar os dois primeiros pontos, e deixar cair o terceiro que, pela sua amplitude, se considera ir longe demais. Agora falta só saber o que pensa António Costa, a quem cabe a palavra final, e que já por mais de uma vez discordou da bancada parlamentar.

Professores, Função Pública e escalões do IRS em aberto

A votação das propostas de Orçamento do Estado e respetivas alterações estende-se de segunda a quinta-feira da próxima semana, e, a poucos dias da extenuante maratona, o Governo não só não fechou dossiês importantes como o da Função Pública, como ainda enfrenta incertezas que poderão complicar-lhe as contas.

Mário Centeno inscreveu €50 milhões no total das despesas com pessoal para aumentos salariais, mas ainda não negociou com os sindicatos a fórmula para lá chegar, o que tem motivado sucessivos protestos por parte dos representantes dos trabalhadores.

Do lado da oposição, o jogo também ainda não está totalmente claro. Por exemplo, PSD, BE e PCP têm posições convergentes relativamente à recuperação do tempo das carreiras dos professores, mas não é certo se chegarão a sentar-se para concertar posições o que, a acontecer, seria um duro revés para o Governo, que se tem mantido irredutível neste dossiê.

Outro exemplo de possível “coligação negativa” surge por via dos escalões de IRS, que o Governo resolveu manter inalterados em 2019. CDS e PCP já apresentaram propostas para que eles sejam atualizados à inflação, o BE já afiançou que acompanhará as iniciativas, estando agora tudo nas mãos do PSD, que ao Expresso adianta que as viabilizará, desde que os proponentes apresentem uma proposta equivalente de redução da despesa.