PORTUGAL 2020

Inédito Entrada dos bancos nos sistemas de incentivos à inovação permitirá aos fundos comunitários alavancar um valor recorde de €14 mil milhões de investimentos empresariais no país

Governo conta com a banca para atingir
€14.000.000.000

Textos Joana Mateus Ilustração gonçalo viana

Quando um empresário vê o seu projeto de investimento aprovado pelo tradicional sistema de incentivos à inovação, ele recebe não um, mas dois tipos de fundos comunitários: parte do dinheiro é um empréstimo sem juros que a empresa tem de devolver ao Portugal 2020 após concluir o projeto e a outra parte é que é um subsídio a fundo perdido que a empresa pode guardar para si como recompensa pelo sucesso do seu investimento.

E se a banca entrar na equação e assumir a parte do empréstimo do Portugal 2020? Os fundos comunitários poderão alavancar mais investimentos empresariais porque distribuirão menos dinheiro por cada projeto aprovado. O Portugal 2020 continuará a pagar a parte do subsídio ao empresário, mas só terá de suportar os juros e as comissões de garantia da parte do empréstimo que doravante será financiado pela banca.

Esta foi a solução que o Governo desenhou nos últimos meses para responder à procura sem precedentes que os incentivos do Portugal 2020 têm registado por parte dos empresários portugueses. É que os fundos não chegam para satisfazer toda a vontade de investir em novas máquinas ou fábricas de norte a sul do país. De facto, desde que os concursos aos incentivos ao investimento empresarial arrancaram no final de 2014, o Portugal 2020 recebeu 32 mil candidaturas, tendo já aprovado €4,7 mil milhões de incentivos a 13 mil projetos empresariais para alavancar um total de €9 mil milhões de investimentos, sobretudo nas regiões Norte e Centro do país.

O convite à banca já foi feito pelo governo à Associação Portuguesa de Bancos e aos presidentes dos conselhos de administração dos principais bancos a operar em Portugal: BCP, BPI, Caixa, Novo Banco e Santander. E os ministérios do Planeamento e da Economia estão agora a trabalhar, em conjunto, para lançar este novo sistema de incentivos à inovação em meados de dezembro, mal a reprogramação do Portugal 2020 seja formalmente aprovada pela Comissão Europeia.

Maior alavancagem

O primeiro objetivo desta parceria com a banca é evitar a travagem desta onda de investimento empresarial que o Portugal 2020 conseguiu dinamizar nos últimos anos. Neste contexto, entre fundos comunitários e crédito bancário, o Governo quer assegurar meios de financiamento que permitam apoiar mais €5 mil milhões de investimentos até ao final deste quadro comunitário.

“Vamos elevar de €9 mil milhões para €14 mil milhões o investimento empresarial apoiado pelo Portugal 2020 e vamos fazê-lo criando um novo instrumento de apoio, convocando o sistema financeiro para se juntar ao novo sistema de incentivos à inovação”, disse ao Expresso Nelson de Souza, o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão que gere a pasta dos fundos comunitários.

Convém notar que o anterior Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), por exemplo, só permitiu concretizar €7 mil milhões de investimentos empresariais entre 2007 e 2013.

Para atingir esta nova meta dos €14 mil milhões, o governo conta adicionar aos fundos comunitários uma linha de crédito bancário no valor de €600 milhões a €700 milhões. A solução já está encontrada e passa por fazer uma adenda a uma linha de crédito já lançada pelo ministério da Economia no âmbito do programa Capitalizar: é a linha Capitalizar Mais, gerida pela Instituição Financeira de Desenvolvimento com o apoio do Portugal 2020, cuja procura por parte dos empresários tem sido baixa e ainda tem lá este dinheiro disponível.

Para convencer a banca a aprovar as operações de crédito no âmbito do novo sistema de incentivos à inovação, o Portugal 2020 pagará diretamente às sociedades de garantia mútua as comissões de garantia que baixam o risco deste negócio e pagará diretamente aos bancos a bonificação total dos juros dos empréstimos concedidos aos empresários.

Falta agora acertar com a banca os spreads máximos a praticar em função dos escalões de rating das empresas apoiadas. Na proposta que fez aos bancos, o Governo fez notar que a carteira de investimento aprovada no sistema de incentivos à inovação tem, por natureza, um perfil de risco financeiro baixo: cerca de 50% do investimento é titulado por empresas com classificação A no scoring aplicado na avaliação das linhas de crédito PME Investe/Capitalizar.

Não é só dinheiro

O segundo objetivo desta parceria com a banca é incorporar, na apreciação das candidaturas ao Portugal 2020, preocupações com uma análise mais eficaz da viabilidade financeira dos projetos a par dos seus critérios de valia económica para as políticas públicas. “A banca vai trazer mais dinheiro para os incentivos, mas o acordo não é só financeiro. Significa também beneficiarmos de uma visão complementar do risco financeiro aportada pelos bancos”, acrescenta Nelson de Souza.

As candidaturas não só terão de passar pelo habitual crivo de entidades como o IAPMEI ou a AICEP para obter a parte do subsídio do Portugal 2020, como também pelo crivo dos bancos para obter a parte do empréstimo. De um modo geral, apenas poderá haver apoio ao projeto de uma micro, pequena ou média empresa (PME) desde que as duas componentes do subsídio e do empréstimo sejam aprovadas.

Mas convém notar que os bancos estarão mais disponíveis para emprestar às PME devido ao suporte do Sistema de Garantia Mútua que reduzirá o risco destas operações de crédito. De fora deste crivo adicional da banca, ficarão aqueles investidores que demonstrem poder dispensar a parte do empréstimo por disporem de fontes alternativas de financiamento, designadamente capitais próprios.

Para o novo sistema de incentivos à inovação poder funcionar, as autoridades de gestão do Portugal 2020 e a banca terão agora de articular os respetivos processos de avaliação e aprovação do subsídio e do empréstimo a cada projeto de investimento.

O que já se sabe é que o empresário continuará a fazer uma única candidatura através do Balcão 2020, candidatura essa que será depois reencaminhada aos bancos que ele lá indicou como potenciais financiadores da parte do empréstimo.

São pormenores como estes que estão agora a ser definidos de modo a agilizar a cooperação entre a máquina do Portugal 2020 e o sistema financeiro português. O objetivo do Governo é que os protocolos de adesão dos bancos ao novo sistema de incentivos à inovação possam ser celebrados com as autoridades do Portugal 2020 até meados de dezembro.

Mais crédito = menos fundos?!

Proposta de Paes Mamede de reduzir os incentivos comunitários a quem tem maior acesso ao crédito bancário divide empresários

Aplicar menores taxas de incentivo às empresas com melhor situação financeira é a mais polémica das recomendações feitas pela equipa de investigação liderada pelo economista Ricardo Paes Mamede que, no último ano, estudou o impacto dos fundos comunitários nas empresas portuguesas.

“As autoridades responsáveis pelos sistemas de incentivos poderão querer considerar a possibilidade de fazer depender a generosidade dos apoios da situação financeira das empresas, recorrendo para tal a indicadores de situação financeira das empresas idênticos aos utilizados pelas instituições bancárias para decidir sobre a concessão de crédito ao investimento empresarial. Através da redução das taxas de incentivo a empresas com maior facilidade de acesso ao crédito bancário (e outras formas de financiamento) poderiam ser libertados recursos para apoiar projetos empresariais promissores e alinhados com as prioridades das políticas públicas, que enfrentam maiores dificuldades de financiamento por outras vias. Esta recomendação é reforçada pela constatação de que o custo eficácia das intervenções é mais favorável quando a intensidade do apoio é mais reduzida”, lê-se nas recomendações da “Avaliação do Impacto dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento no Desempenho das Empresas” divulgada no final de outubro.

Habituados a receber incentivos em função da dimensão da empresa e do tipo de projeto que candidatam aos fundos, os empresários e consultores escutados pelo Expresso dividem-se quanto à aplicação desta recomendação no próximo quadro comunitário, o Portugal 2030.

Empresários divididos

“Uma empresa não poderá ser “penalizada” pelo facto de ter uma boa saúde financeira”, diz Adão Ferreira, secretário-geral da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), uma das fileiras que mais tem investido no país através dos incentivos europeus.

“Considerando que os sistemas de incentivos não são, nem podem ser, concorrentes, alternativos ou sucedâneos do crédito bancário, ou do financiamento em geral, entendemos que o ponto de partida deste raciocínio está profundamente enviesado. Acresce que não subscrevemos a tese de que as melhores empresas sejam prejudicadas face às menos boas”, critica Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). O representante da principal fileira exportadora do país acrescenta: “Repugna-nos totalmente a ideia de que devam ser especialmente apoiados os projetos “alinhados com as prioridades das políticas públicas”. Além de ser sempre um conceito muito indeterminado, integra dois pressupostos inaceitáveis que normalmente estão associados: maior intervenção do Estado na economia e clientelismo. Defendendo a economia de mercado e a iniciativa privada, pensamos que essa lógica é inaceitável”.

Empresários alertam que critérios de natureza política ou ideológica podem subverter o Portugal 2030

“A penalização de empresas com maior sucesso parece-nos um caminho errado e com impacto, possivelmente significativo, na capacidade de investimento e de crescimento da economia portuguesa, em particular no sector produtivo e exportador” alerta, por seu turno, Victor Cardial, presidente da Associação de Consultores de Investimento e Inovação de Portugal (Aconsultiip).

Já Paulo Vaz, diretor-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), abre a porta à mudança: “O critério da viabilidade financeira — que normalmente é um retrato do histórico — deve ser combinado com aquilo que é o projeto empresarial e a solidez do mesmo. A empresa em questão pode ter um grande potencial de crescimento que só pode tornar-se efetivo com o indispensável recurso ao financiamento. Se este já é difícil pelos critérios aplicados pelo sistema bancário, e se esses mesmos critérios obstam ao acesso aos incentivos, então as empresas podem encontrar-se num bloqueio injusto e até fatal”.

Menos ideologia

Outra recomendação de Paes Mamede que divide os empresários é a de se suscitar “um debate alargado sobre a eventual inclusão de critérios associados à qualidade do emprego criado, à distribuição de rendimentos, à igualdade de género e à ecoeficiência na aferição da elegibilidade das empresas e na avaliação de mérito dos projetos. Trata-se, em qualquer dos casos, de propósitos e valores enunciados em diferentes documentos programáticos do país — Grandes Opções do Plano, Plano Nacional de Reformas, Portugal 2020, entre outros — para os quais não é de excluir que os sistemas de incentivos possam dar contributos. Nesta ponderação deve, naturalmente, ser tido em conta o risco de desviar os sistemas de incentivos de outros objetivos fundamentais”.

O mais crítico é Paulo Vaz: “A inclusão de critérios de natureza política e eminentemente ideológica pode subverter os propósitos do programa de apoio que Portugal virá a beneficiar até 2030”. Para o líder da ATP, o objetivo é elevar as exportações até 70% ou 80% do PIB. “Ter objetivos simples, focados e facilmente mensuráveis na sua implementação e concretização parece muito mais importante do que encher um Portugal 2030 com uma cartilha programática e ideológica, que, normalmente, não nos leva a sítio algum”.

“Não faz muito sentido esta proposta”, diz Adão Ferreira. “No caso das empresas da indústria de componentes automóveis, as remunerações do pessoal são, em média, 58% superiores às restantes empresas transformadoras. E já têm meios, por exemplo, que impedem as diferenças salariais entre género”.

A AIMMAP concorda “em absoluto com a ressalva final da recomendação, no sentido de que não se deve desviar os sistemas de incentivos dos seus objetivos fundamentais”, mas considera oportuno um debate alargado sobre critérios sociais e éticos. A Aconsultiip adverte que esses critérios “não devem ser considerados como indicadores de elegibilidade ou de mérito dos projetos empresariais”. Devem funcionar como prémios e não como penalizações.