40 LÍDERES DO FUTURO

Mudanças tecnológicas “vencem-se” com flexibilidade

Nuno Carvalho, CEO de A Padaria Portuguesa, e Sérgio Monte Lee, partner da Deloitte <span class="creditofoto">FOTO Nuno Fox</span>

Nuno Carvalho, CEO de A Padaria Portuguesa, e Sérgio Monte Lee, partner da Deloitte FOTO Nuno Fox

A robotização não tem de ser o bicho papão que engole empregos. As pessoas serão sempre indispensáveis

Ana Sofia Santos

“Um bom consultor é o profissional que está a ler o mesmo livro que o cliente, mas sempre duas páginas à frente.” Sérgio Monte Lee, partner e líder do sector de Tecnologia, Media e Telecomunicações da Deloitte, não é o autor da frase, mas cita um colega para ilustrar a necessidade de estar dois passos à frente da mudança.

A consideração surge a propósito do Lab, criado por A Padaria Portuguesa no início do ano como espaço de inovação. Ao visitar a 59ª loja da cadeia nacional, situada na Avenida da República, em Lisboa, percebe-se de imediato, pelo interior integralmente branco, que é algo bem diferente dos restantes estabelecimentos. Nuno Carvalho, fundador e CEO (presidente executivo) de A Padaria Portuguesa — são 70 lojas e 1300 empregados —, explica que é uma aposta “na diferenciação”, a chave para “nos tornar melhores do que os outros”, e que é fruto de um questionar constante “perante a rapidez da mudança”.

O Lab nasce dessa inquietude, materializando “um trabalho que vinha a ser feito há alguns anos. Tínhamos uma equipa de Investigação & Desenvolvimento dedicada a novos produtos e processos, composta por padeiros, pasteleiros e chefes de cozinha. Trabalhavam numa réplica da nossa fábrica [situada em Marvila], que estava instalada numa loja”. Ora, “isto não era visível para o cliente, e o Lab trouxe para a [linha da] frente esta equipa, com o grande objetivo de elevar a experiência de compra na marca”, refere o gestor.

“No mundo em que vivemos, claramente marcado pela tecnologia, a grande questão não é tanto o que vai surgir de novo — porque isso tem-se conseguido antecipar —, é saber quando é que uma inovação vai ser adotada pelos negócios e pelos consumidores. E esse ritmo de adoção é cada vez mais rápido, o que cria disrupção muito facilmente. O tempo médio de vida de uma empresa listada na ‘Fortune 500’, comparado com o que acontecia há algumas décadas, tem encurtado de uma forma muito assinalável”, comenta Sérgio Monte Lee, salientando que as empresas só escapam a esta voragem e sobrevivem com “flexibilidade”.

“O tempo média de vida de uma empresa da ‘Fortune 500’ face ao passado tem encurtado de uma forma muito assinalável”, diz Sérgio Monte Lee

Para Nuno Carvalho, o projeto A Padaria Portuguesa, lançado há oito anos, é um bom exemplo de capacidade de adaptação a um cliente que não tem “nada que ver com aquele que encontrámos no início”. “Temos um perfil de startup, marcado por muita flexibilidade e um crescimento rápido, e a verdade é que, desde que abrimos até hoje, tudo mudou. Sobretudo o consumidor. Quando montámos A Padaria Portuguesa foi numa base de mass market [mercado de consumo em massa], para todas as pessoas. Hoje em dia, este consumidor é fragmentado.” Tanto valoriza a experiência de consumo e paga por isso como poupa em bens mais básicos, numa espécie de troca. E, ao mesmo tempo que procura “uma alimentação mais saudável, optando por abacates ou quinoa, também vai a restaurantes que servem pataniscas com arroz de feijão. O pronto a comer com comida caseira e tradicional, que nem sempre é a mais saudável, tem uma procura significativa”. Esta espécie de esquizofrenia do consumidor é, garante o gestor, “muito desafiante”.

Fazer tudo de novo

Nuno Carvalho volta a ilustrar com o Lab o que a sua empresa está a fazer para acompanhar a mudança. “Experimentamos novos alimentos e novas iniciativas, aprendemos e decidimos se as replicamos nas outras lojas. O Lab foi pensado para ser todo ele diferente, não só a oferta mas também a expe­riência de compra”. Porquê a cor branca? “É uma metáfora para o zero, ou seja, se for necessário fazemos tudo de novo.”

E é isso que cada vez mais acontece na vida empresarial. Sérgio Monte Lee lança outro dado: “Já ninguém faz planeamento estratégico a quatro/cinco anos.” “Algum tipo de rumo e de visão é fundamental para os gestores, mas terem uma estratégia demasiado hermética é perigoso. A capacidade de antevisão hoje em dia é difícil. Que vai haver robotização, inteligência artificial, é óbvio. O problema é saber como é que vão acontecer, com que impacto e quando”, resume o especialista. “Prepararmo-nos para daqui a cinco anos estarmos no mesmo negócio é um risco grande. Há que apostar na flexibilização — quer ao nível dos processos de decisão, descentralizando, quer da capacitação da mão de obra —, em vez de ter grandes planos a muito tempo.”

Sobre o impacto da tecnologia nos empregos, Nuno Carvalho, não tem dúvidas de que o contacto entre pessoas será sempre fundamental para a experiência do consumidor, embora os negócios, particularmente na restauração, tenham muito a ganhar com a adoção de inovação ao nível do recurso a máquinas para algumas tarefas. Dá o exemplo dos quiosques colocados pela McDonald’s nos seus restaurantes, através dos quais os clientes podem fazer os pedidos sem interagir com um empregado. “Li nas notícias que conseguiram aumentar a despesa média por cliente nestes terminais, porque as pessoas ficam mais predispostas para gastar mais [encomendando daquela forma], mas, por outro lado, passaram a ter pessoas a servir à mesa [valorizando a experiência de consumo].”

Tecnologia cria emprego

“A tecnologia pode ajudar a trazer eficiência e valor para o consumidor e, no limite, no caso da restauração, contribuir para aumentar o gasto médio por consumidor. Mas as pessoas não vão deixar de trabalhar nos restaurantes”, considera o CEO de A Padaria Portuguesa.

“A diferenciação é o que nos torna melhores do que os outros e resulta de um questionar constante perante a rapidez da mudança”, sustenta Nuno Carvalho

Sérgio Monte Lee também desmistifica o “receio enorme em relação à tecnologia, em particular face à robotização. Tenho uma visão muito positiva sobre este assunto, porque a tecnologia sempre criou mais empregos do que aqueles que destruiu, não vão é ser os trabalhos atuais. No imediato vão ser destruídos alguns empregos em que a máquina é claramente melhor do que o ser humano, mas ao mesmo tempo a tecnologia dá espaço para ser criado outro tipo de emprego”. Como acompanhar estes ciclos e não ser excluído do mercado, sejam empresas ou trabalhadores? “Com flexibilidade”, acredita o consultor.

No âmbito do prémio “40 Líderes Empresariais do Futuro” (ver caixa), Nuno Carvalho (presente no ranking de 2017) e Sérgio Monte Lee participaram num “Dueto de Gestão”, um encontro destinado a partilharem experiências.