Banca

Como o Best sobreviveu ao estouro do BES

Madalena Torres lidera o Best desde outubro de 2017, mas já estava no BES desde 2005. Diz que o mandato que tem é claro: fazer crescer a oferta do banco em termos financeiros <span class="creditofoto">FOTO NUNO FOX</span>

Madalena Torres lidera o Best desde outubro de 2017, mas já estava no BES desde 2005. Diz que o mandato que tem é claro: fazer crescer a oferta do banco em termos financeiros FOTO NUNO FOX

Madalena Torres, presidente executiva do Best, diz que o banco congelou mas que quer voltar a crescer através da distribuição de mais produtos financeiros

Isabel Vicente

O Banco Espírito Santo (BES) foi resgatado no final de um domingo do verão de 2014, depois de semanas na corda bamba. Passados dois dias, a 5 de agosto, quando os portugueses ainda tentavam perceber o que tinha acontecido ao histórico banco, o Best anunciava um crescimento de 7% nos lucros, para €6,4 milhões. Não fosse o banco parte do universo Espírito Santo e seria tudo normal. Mas não: o Best era detido maioritariamente pelo BES.

Passaram entretanto mais de quatro anos e, enquanto o BES, que passou a Novo Banco e já foi (parcialmente) vendido, continua a acumular prejuízos, o Best nunca deixou de ser rentável, mesmo com todos os problemas no seu acionista único. A seu favor tem o facto de ser pequeno, de ter nascido digital e de ter um modelo de negócio que lhe permite gerir de forma autónoma diversos canais, fornecedores e linhas de produtos.

Quando Madalena Torres chegou à presidência executiva do Best, em outubro de 2017, o estouro do BES era já assunto de história. O mandato da nova líder do banco era claro: fazer crescer a plataforma do Best numa lógica multiproduto, agarrando a onda da era digital. Como qualquer gestor, Madalena Torres prefere olhar para o futuro e discutir as opções estratégicas. Mas, na conversa que manteve com o Expresso, impunha-se uma pergunta incontornável: como se explica a resistência do Best ao colapso do BES? Porque, embora o Best sempre tenha dado lucros ao longo deste período, nem tudo foram rosas. O negócio estagnou, os resultados líquidos emagreceram, e o banco perdeu clientes, sobretudo institucionais. Viu sair também um acionista de referência, com 25% do capital — o dinamarquês Saxo Bank —, e esteve mesmo para ser vendido depois da derrocada do BES.

Apesar de não liderar o banco nessa altura, a gestora não hesita em responder: “O Best não foi diretamente afetado pelo que aconteceu ao BES antes de agosto de 2014 e depois disso, por ter tido sempre, do ponto de vista comercial e de marketing, uma estratégia independente face ao BES.” Recorda ainda que o Best “sempre foi e continua a ser uma plataforma de distribuição de produtos de diversos fornecedores, maioritariamente fundos de investimento, sem privilegiar positiva ou negativamente os produtos do seu acionista”. Na sua opinião, “este ADN talvez tenha feito alguma diferença”. Mas sublinha: “Não diria que essa estratégia nos salvou — o Novo Banco teve uma resiliência extraordinária, tendo em conta a exposição ao Grupo BES —, mas que é um facto muito positivo para o presente e para o futuro é.”

Dizer que o Best conseguiu aguentar o embate do estouro do BES não significa que não tenha sofrido. Pelo contrário, diz Madalena Torres: “Afetou muito a trajetória de crescimento do Best, que teve de travar a fundo. Deixou de haver capacidade de investimento e portanto houve um compasso de espera na estratégia de crescimento e até de internacionalização.”

Até porque, explica, o problema foi mais vasto do que apenas BES strictu sensu, e “os grandes problemas decorreram mais da maior exposição que o Best tinha à Portugal Telecom [PT] do que propriamente ao Grupo Espírito Santo [GES]”. Os números são claros: “A exposição à PT era dez vezes maior do que a exposição ao GES, com as consequências conhecidas.”

Neste período, saíram muitos clientes institucionais do banco e muitos perderam dinheiro. Mas como “o Best nunca teve problemas de liquidez nem de capital”, diz Madalena Torres, isso terá contribuído para estancar uma sangria ao nível dos ativos sob gestão. Não fosse a diversificação que o banco tinha em fundos que não foram afetados pelo estrondo do BES e depois pelo da PT e teria sido mais difícil reter os clientes.

Na máquina do tempo até 2018

Um salto de quatro anos na máquina do tempo traz-nos de regresso a 2018. As contas do Best ainda estão distantes do nível a que estavam mesmo durante o período de maior incerteza, antes de o Novo Banco ter sido vendido, mas os ativos sob gestão começam a dar sinais positivos de crescimento.

A radiografia às contas do banco entre 2012 e 2017 mostra como, mesmo ‘sobrevivendo’ ao fim do BES, o Best sofreu um embate importante. Basta olhar para indicadores como a rentabilidade (medida pelo ROE, da rentabilidade dos capitais próprios) ou para os resultados. Mas também para a forma como se comportaram os depósitos, os créditos ou os ativos sob gestão (ver infografias).

Um dos canais de ligação entre o Best e o acionista bem mais recente do que o colapso do BES são as garantias prestadas em 2017 ao Novo Banco de €168 milhões. A este respeito, Madalena Torres desvaloriza e esclarece que se tratam de operações correntes entre grupos bancários nacionais, adiantando que “destinaram-se a garantir ativos no âmbito de processos de recuperação de créditos, tendo o Best dado conhecimento prévio das mesmas aos supervisores”. E, apesar desta operação (crédito por assinatura) afetar o rácio de solvabilidade, não colocou problemas ao Best, já que em dezembro o rácio ascendeu a 34% e em julho de 2018 subiu para 37,7%.

Para onde caminha o banco?

Apesar de carregar ainda um elevado nível de ativos e créditos problemáticos, o Best parece estar em condições de retomar a rota de crescimento congelada durante os últimos anos. “Queremos crescer, ser referência em termos de inovação e aprofundar o modelo de negócio”, diz a presidente do Best.

Com cerca de 85 mil clientes, os próximos passos, segundo Madalena Torres, “passam por desenvolver outras componentes de negócio, sempre numa lógica de plataforma de distribuição de produtos de vários fornecedores, quer sejam bancos, seguradoras ou outros parceiros”. O facto de o banco ser digital e não estar segmentado é uma vantagem enorme para os clientes, afirma a gestora. Que acrescenta: “O ADN do Best permite-nos distinguir de duas entidades. Por um lado, da generalidade dos bancos, que estão muito ligados àquilo que é a sua máquina produtiva e ao seu grupo, e, por outro, das fintechs, porque estas se posicionam, em regra, como plataformas de monoproduto.”

Neste momento, adianta Madalena Torres, “estamos a trabalhar numa lógica de multiproduto, alargando a oferta do que tem sido a maior fatia de negócio do banco, o investimento em fundos e trading”. Uma estratégia que também permitirá alargar a base das receitas do Best ao nível das comissões a fornecedores.

São muitos os projetos onde o banco aposta. “Foi feito um investimento grande, de €2 milhões, em infraestruturas de inovação e comunicação”, de modo a preparar o banco para vários desafios, como a diretiva de pagamentos PSD2 (obrigar os bancos a partilharem o acesso às contas dos clientes a outros prestadores de serviço), áreas de consultoria e, até ao final do ano, novas soluções em tecnologia de blockchain (que permite registar, de forma transparente e descentralizada, listas de transações) e robot advising (aconselhamento através de inteligência artificial).

A assinatura do Best passou a ser “Ao lado de quem vai à frente”, sublinha Madalena Torres. E faz questão de referir que os problemas do Best não tiveram a ver nem com liquidez nem com capital e muito menos com crédito malparado. Neste aspeto, diz, o risco “está muito controlado”. E aproveita para revelar que “os únicos produtos que são originários no Best são créditos concedidos a clientes que têm como colateral [garantia] os ativos sob gestão desses clientes (cobrem 150% da linha de crédito)” e os depósitos.

Recorde-se que o Novo Banco tem como acionista maioritário os norte-americanos da Lone Star e 25% do capital pertence ao Fundo de Resolução, que ficou obrigado a compensar até €3,89 mil milhões caso os ativos tóxicos afetem o seu capital. Este ano, o Fundo de Resolução já entrou com €792 milhões e pode ter de voltar a injetar mais dinheiro no próximo ano. O Novo Banco vai continuar a ser a ‘sombra’ do Best, mas não de uma forma tão grave como já foi.

TRÊS PERGUNTAS A

Madalena Torres

Presidente da Comissão Executiva do Best

Que outros produtos financeiros vai o Best distribuir?

Queremos ser uma plataforma de serviços financeiros com o melhor que existe no mercado. Por isso vamos replicar a oferta no crédito à habitação, seguros, cartões, entre outros produtos, o que já fazemos com os fundos de investimento. Objetivo: disponibilizar aos nossos clientes uma oferta transversal com produtos de outros bancos e seguradoras.

O Best esteve para ser vendido, precisa do Novo Banco para quê?

É uma decisão do acionista, o Best tem valor e, por isso, é sempre apetecível. Temos uma autonomia e agilidade extraordinárias na gestão dos diversos canais e fornecedores, e na adição de diversas linhas de produto. Mas precisamos do Novo Banco porque o modelo em que foi criado o Best assenta num suporte do Novo Banco em termos de tecnologias de informação e serviços partilhados, como auditoria ou o compliance.

Têm oito centros Best, vão abrir mais?

Não é nossa intenção. Temos uma rede de agentes externos vinculados, prestadores de serviços. Esta é a rede que queremos fazer crescer. Já são cerca de 160, estão inscritos como promotores no Banco de Portugal e registados na CMVM para poderem fazer aconselhamento, numa lógica de angariadores de negócio que tem resultado bem.