Estão as empresas preparadas para defender os segredos comerciais?
Se não se rodearem de meios de defesa dos seus segredos que possam mais tarde demonstrar, as empresas portuguesas arriscam-se a perdê-los, mesmo em tribunal
Portugal terá muito em breve uma nova legislação de proteção de know-how e de informações confidenciais (segredos comerciais), integrada no novo Código da Propriedade Industrial (CPI). No momento em que escrevemos, está no Parlamento a proposta de lei 132/XIII, que contém um pedido de autorização legislativa, acompanhada do futuro enunciado normativo do CPI.
Com algum atraso, Portugal prepara-se para transpor a Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2016, com aquele escopo, neste novo CPI.
Estão disponíveis, no site da Assembleia da República, os pareceres de entidades interessadas que foram consultadas no âmbito deste processo legislativo. Com as relevantes exceções da ICC Portugal, da CIP e da Apogen, mais ninguém prestou muita atenção a esta importante, decisiva mesmo, reforma legislativa.
E, no entanto, há desde já uma certeza quanto à futura lei. É a de que protegerá segredos comercias (e know-how) desde que estes sejam secretos, desde que tenham valor comercial e, o que ainda é mais relevante e decisivo, desde que as empresas — é destas que tratamos — demonstrem ter tomado diligências razoáveis, atendendo às circunstâncias, para serem mantidos secretos pela pessoa que exerce legalmente o seu controlo.
Há uma necessidade absoluta de os tribunais, que lidam com casos de segredo comercial e know-how empresariais, se rodearem de assessores que auxiliem os magistrados nas suas decisões
Ora, é este último requisito que vai ter de merecer a maior atenção das empresas. Se não se rodearem de meios de defesa dos seus segredos que possam mais tarde demonstrar, arriscam-se a perdê-los, mesmo em tribunal. E os segredos constituem, hoje, quase um novo direito de propriedade intelectual, mais importante do que alguns dos velhos direitos da mesma família. Os segredos constituem o coração da empresa, a sua intimidade, um santuário que se deve blindar de ameaças externas ou internas, um conjunto de ativos imateriais e intangíveis.
Um segredo, neste âmbito, pode ser um procedimento, um produto, um desenho técnico, esquemas, um manual de utilização, formulas químicas, métodos para produzir canábis, mas, também, listas de clientes e de fornecedores, ou informação sobre volume de negócios e redes de distribuição, a fórmula da Coca-Cola ou do licor Ti Maria, os algoritmos da Google...
Se esta é uma certeza para a qual os operadores económicos devem estar despertos, pois este é mais um esforço defensivo que lhes é pedido, quase na esteira do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a tal junta-se uma quase certeza, no momento em que escrevemos, e que é a opção do Estado legislador pelo quadro sancionatório das contraordenações.
Eis uma opção discutível, tanto mais que no mesmo CPI se prepara a criminalização de infrações contra os logótipos, nomes e insígnias de estabelecimentos, valorando-as mais do que as infrações contra segredos e know-how.
E esta opção contribuirá para mais um mosaico sancionatório. Na verdade, os artigos 195º e 196º do Código Penal continuam a punir infrações contra segredos com penas de prisão até um ano.
Assim, teremos sanções civis, sanções penais e coimas para as mesmas condutas.
Sabem-no as empresas e quem anda na vida prática que a posse, utilização ou divulgação ilícitas de um segredo comercial, ou de know-how, pode ter consequências catastróficas, sobretudo para as PME criativas e inventivas. Por isso, o fator dissuasor, na nossa lei, será uma vez mais descurado. E perder-se-á uma boa oportunidade para unificar uma política sancionatória que, repete-se, é um mosaico ainda por cima “otimista”.
Como o velho companheiro de passeios de Mitterrand diria, a sanção pecuniária será repercutida nos ganhos imensos entretanto auferidos. Teria bastado um olhar sobre a forma como alguns dos nossos parceiros europeus transpuseram esta diretiva.
Finalmente, esta diretiva, tal como as leis que a transpuserem, é uma obra aberta, “delegando” extensivamente nos tribunais a interpretação destes conceitos e a avaliação da gravidade da posse ou revelação de segredos contra a vontade dos seus detentores. Eis mais um exemplo gritante da necessidade absoluta de os tribunais, que lidam com esta matérias, se rodearem de assessores que auxiliem os magistrados nas suas decisões.
O sistema alemão dos tribunais de patentes, em que jovens juízes auxiliam os mais velhos, e depois lhes sucedem, seria um bom parâmetro inspirador.
A menos que se esteja a fazer fé na introdução prática de programas de Inteligência Artificial para auxílio das profissões jurídicas. De facto, já não falta muito. O que há dois anos era matéria de elucubração, é hoje uma realidade prática de produtos e serviços disponibilizados no “mercado” jurídico, com resultados surpreendentes. Não tardará muito serão uma vulgaridade, uma presença tão comum como as bases de dados de jurisprudência.
Mas, enquanto não os temos profusamente distribuídos, não viria mal ao mundo uma maior atenção à forma com estas matérias são tratadas nos nossos tribunais.
Todos agradeceríamos, e a economia muito mais. Afinal, as grandes descobertas, invenções ou criações começaram por ser segredos bem guardados, e algumas ainda o são...
Sócio coordenador da equipa de propriedade intelectual da PLMJ