Eleições legislativas
Afegãos elegem novo Wolesi Jirga. E há um facto surpreendente
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Envolto numa guerra que já dura há 17 anos e não tem fim à vista, o Afeganistão vota este sábado, num clima de violência que já custou a vida a dez candidatos e ameaça deixar o país a ferro e fogo
Texto Ricardo Silva
Após dois anos de adiamentos, o Afeganistão vai este sábado a votos para eleger os 249 membros da Wolesi Jirga, o Parlamento do país, num teste que se prevê crucial para as eleições presidenciais de 2019. A campanha começou a 28 de setembro e envolveu mais de 2500 candidatos de diferentes etnias, credos e condições sociais, e um surpreendente número de mulheres: 417, o mais elevado de sempre naquele país e um alvo preferencial dos islamitas que tentam a todo o custo evitar o sucesso do ato eleitoral.
Um dos exemplos disso foi o que aconteceu com Nazifa Yousuf Bek, uma professora de 32 anos que se candidatou pela província de Takhar: no passado sábado, preparava-se para discursar entre os seus apoiantes quando uma violenta explosão lançou o pânico em seu redor. Nazifa encontrava-se a apenas dez metros do local da explosão e sobreviveu, mas 22 pessoas perderam a vida e 36 ficaram feridas.
Os candidatos das minorias também estão a ser alvo dos talibãs e de outros grupos extremistas. No dia 1 de julho, Avtar Singh Kalsa ia a caminho de uma reunião com o Presidente, Ashraf Ghani, quando a viatura em que seguia foi atingida, num atentado suicida que causou a sua morte e a de outras dezanove pessoas. Avtar era o único candidato não muçulmano e líder da pequena comunidade sikh afegã, composta por cerca de 300 famílias e duramente perseguida devido à sua religião. Após a sua morte, o filho de Avtar, Naginder, decidiu tomar o lugar do pai e tem sido recebido várias ameaças do Daesh, o grupo que assumiu a responsabilidade pelo atentado de julho.
A história de Naginder não é caso único. Zakia Wardak perdeu este verão o irmão, esfaqueado numa rua de Cabul; antes tinha perdido o pai, morto nos anos 80 pelos soviéticos, e o marido foi alvo de tortura após ter sido detido por forças norte-americanas. Apesar das insistentes súplicas da família, Zakia decidiu levar a candidatura até ao fim e lutar em defesa dos direitos das mulheres e de melhores cuidados de saúde, ainda que esteja consciente da “muita injustiça que está a acontecer”.
Embora boa parte dos candidatos deseje utilizar o cargo para promover uma reforma do país e defender a sua frágil democracia, largas dezenas estão a ser excluídos das eleições devido a ligações a grupos extremistas, participação em sequestros, extorsão, e envolvimento na produção e tráfico de droga. Há também candidatos banidos por serem menores de idade e estrangeiros a falsificar a cidadania afegã para participar, além de casos peculiares como o de Abdul Karim Shafaq, que se candidatou a deputado apesar de estar detido e a cumprir pena de prisão.
A violência e as ameaças são uma constante, mas mesmo assim por todo o país há posters a apelar ao voto e a prometer mais segurança, menos corrupção e uma reforma do sistema educativo, motivando milhares de afegãos a acorrer aos comícios para expressar o seu apoio aos candidatos preferidos.
Eleições num país em guerra civil
Apesar do otimismo nos discursos do Governo, as eleições ocorrem num dos momentos mais difíceis para as autoridades afegãs e tanto o exército como a polícia estão a enfrentar emboscadas e atentados numa base diária. Em abril começou a ofensiva de primavera talibã e os islamitas estão a ganhar terreno nas províncias de Farah, Faryab, Ghazni e Kunduz, além de reforçar o controlo em Helmand e Kandahar, dois bastiões tradicionais.
A 14 de maio, lançaram um assalto sobre Farah, dominaram a prisão e soltaram centenas de prisioneiros, que ainda se encontram a monte; executaram funcionários públicos e cidadãos ligados ao Governo, e prosseguiram com ataques às vilas em redor. A situação só foi controlada após a força aérea norte-americana lançar bombardeamentos contínuos e o exército enviar as suas forças de elite.
Em agosto os talibãs lançaram um poderoso ataque sobre Ghazni, uma cidade a 150 quilómetros de Cabul. Aniquilaram a guarnição do exército num dos quartéis, cortaram a estrada entre a capital e Kandahar, e num só dia mataram mais de 200 soldados. O apoio aéreo norte-americano voltou a ser determinante para deter o seu avanço, mas os talibãs continuam a controlar alguns bairros de Ghazni, e a estrada que liga as duas maiores cidades do país é regularmente cortada devido às minas e aos explosivos improvisados. Só nos primeiros nove meses de 2018, os combates causaram 8.052 vitimas entre a população civil, com 2.798 mortos e 5.252 feridos, e o exército e a polícia sofrem uma elevada taxa de deserção, que coloca em causa a sua eficiência.
Numa tentativa de assegurar a confiança pública, o Governo anunciou que as eleições vão ser protegidas por 54.000 elementos das forças de segurança e todo o aparelho público vai servir de apoio, mas a insegurança generalizada leva a que se estime que um terço das estações de voto não vão estar abertas e a meio da semana as autoridades anunciaram que não iriam abrir mesas de voto em Gahzni, devido à falta de condições de segurança.
Além do Parlamento, os afegãos também vão eleger 387 concelhos distritais, numa altura em que o Governo controla apenas 56% dos distritos e em que 30% são território contestado e palco de intensos combates.Os restantes são dominados pelos talibãs, que declararam a intenção de interromper as eleições e ameaçaram represálias contra os professores e alunos que permitam o uso das suas escolas como locais de voto.
Os ataques têm vindo a aumentar ao longo de outubro e a última semana tem sido particularmente violenta, um sinal do esforço dos islamitas para desestabilizar as eleições. No sábado, quinze membros das forças de segurança foram mortos e outros dez capturados após uma série de ataques contra postos de controlo na província de Farah. No início desta semana expulsaram o exército de várias posições nos arredores de Ghazni, e na quarta-feira eliminaram Abdul Jabar Qahraman, antigo general do exército e candidato à Wolesi Jirga, morto por uma bomba colocada debaixo da sua cadeira quando estava numa reunião com os seus apoiantes.
Esta quinta-feira os talibãs realizaram o atentado mais bem sucedido de 2018, quando um dos seus membros conseguiu infiltrar-se como guarda-costas numa reunião com os principais líderes da província de Kandahar. Conseguiu abater o general Abdul Raziq, chefe de polícia, Zalmai Wesa, o governador, e teve tempo para matar um jornalista antes de ser neutralizado. Contudo, falhou um dos seus principais alvos, o general Scott Miller – comandante das forças norte-americanas no Afeganistão, que tinha saído da sala momentos antes de o ataque ocorrer. As eleições foram adiadas nesta província.
Envolto numa guerra que já dura há 17 anos e não tem fim à vista, o Afeganistão vota este sábado, num clima de violência que já custou a vida a dez candidatos e ameaça deixar o país a ferro e fogo