Jornalista saudita desaparecido

Caso Khashoggi. “Trump não deverá aplicar sanções à elite saudita que compra as suas propriedades”

<span class="creditofoto">Foto reuters</span>

Foto reuters

Um “tremendo erro de cálculo” terá levado o príncipe herdeiro saudita a agir com leveza em relação ao caso do jornalista Jamal Khashoggi. A tese do seu assassínio já é assumida por Trump, enquanto o Rei Salman, no início alheado do assunto, passou a assumir a condução do processo. Segundo um analista ouvido pelo Expresso, a existir punição ela virá do Congresso norte-americano, que “não tem condomínios em Nova Iorque e na Flórida para vender” aos sauditas

Texto Hélder Gomes

Donald Trump deixou esta quinta-feira o aviso: se as investigações concluírem que o jornalista saudita Jamal Khashoggi foi morto a mando do reino, a Arábia Saudita enfrentará consequências “muito graves”. O Presidente dos EUA já não parece ter dúvidas de que, depois de entrar no consulado saudita em Istambul a 2 de outubro, Khashoggi não voltou a sair com vida. “É certamente isso que me parece. É muito triste”, disse quando questionado sobre o desaparecimento do jornalista.

<span class="creditofoto">Foto Reuters</span>

Foto Reuters

“Trump tende a falar de forma hiperbolizada, portanto teremos mesmo de ver o que quer dizer com consequências ‘muito graves’”, relativiza o gestor de relações públicas Russell Schaffer, que se mostra “cético”. “Trump não deverá aplicar quaisquer sanções que possam prejudicar a capacidade dos membros da elite saudita de comprar as suas propriedades”, comenta ao Expresso, a partir de Nova Iorque. “Trump gaba-se repetidamente dos milhões que os sauditas gastam com ele. Como temos visto, os rendimentos dos seus negócios significam muito para o Presidente”, acrescenta.

Depois de ter feito buscas no consulado, a polícia turca alargou entretanto o perímetro das suas investigações, segundo relatos citados pela BBC. Fontes anónimas dizem que o corpo poderá ter sido levado para uma floresta ou para terrenos agrícolas próximos do consulado. Desde o início, a Turquia diz que Khashoggi foi morto nas instalações consulares, enquanto o reino saudita refuta qualquer conhecimento sobre o que terá acontecido ao jornalista, crítico do regime e autoexilado nos EUA.

“TREMENDO ERRO DE CÁLCULO DO REINO SAUDITA”

Amostras retiradas do consulado e da residência do cônsul, durante as investigações feitas esta semana, estão a ser analisadas, para verificar se há ou não correspondência com o ADN do jornalista.

<span class="creditofoto">Foto epa</span>

Foto epa

“Os sauditas estão surpreendidos com a atenção que o desaparecimento e possível assassínio de Khashoggi estão a ter. Matar inimigos do Estado é algo de que os sauditas sempre se safaram nas últimas décadas. Provavelmente pensaram que, dada a reconhecida repulsa de Trump pelos media, a imprensa americana iria ignorar o caso”, equaciona Schaffer.

“Foi um tremendo erro de cálculo do reino saudita. O caso está constantemente nas notícias - e assim vai continuar até se descobrir o que realmente aconteceu”, continua o gestor de relações públicas. A texana Brittany Pounders defende que o caso é revelador das pessoas em torno das quais o Presidente dos EUA “gravita”. “Ele parece estar atraído por bandidos. O coração de Trump bate por assassinos autoritários – de Vladimir Putin a Kim Jong-un e agora ao rei saudita”, conta ao Expresso esta antiga eleitora republicana, que se diz desapontada com a atual Administração.

Citando fontes próximas da família real saudita, a agência de notícias Reuters revelou esta sexta-feira que, dada a dimensão internacional que o caso assumiu, o Rei Salman viu-se obrigado a intervir. No dia 11, o monarca enviou um assessor da sua maior confiança, o príncipe Khaled al-Faisal, a Istambul para tentar conter a crise. Foi durante essa visita que as autoridades turcas e sauditas concordaram em formar um grupo de trabalho conjunto para investigar o desaparecimento do jornalista, tendo o rei instruído o Ministério Público saudita a abrir um inquérito com base no que fosse descoberto. Além de muito próximo de Salman, al-Faisal também é amigo do Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

REI SAUDITA PASSOU A TOMAR CONTA DO CASO

Ainda segundo as fontes ouvidas pela Reuters, inicialmente o rei desconhecia a dimensão da crise, porque os assessores do seu filho preferido, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, distraíam o monarca com boas notícias sobre o país difundidas nos canais de televisão sauditas. Quando a situação começou a fugir ao seu controlo, o príncipe informou e aconselhou-se com o pai. Desde então, é o rei quem tem assumido a condução do caso, tendo falado diretamente com Trump e com Erdogan.

De visita a Riade, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, terá avisado o príncipe herdeiro que a sua credibilidade enquanto futuro líder estava em causa. Contudo, pediu mais alguns dias para os sauditas acabarem as investigações, antes de os EUA decidirem “como e se” respondem. Cada vez mais irritados, os congressistas norte-americanos têm atacado os sauditas e questionado a seriedade com que Trump e os principais assessores estão a gerir o assunto.

O senador republicano Lindsey Graham, próximo do Presidente, acusou Mohammed bin Salman de ter ordenado o assassínio de Khashoggi e de ser uma “bola de destruição” que está a pôr em causa as boas relações entre os EUA e a Arábia Saudita. O cerco parece, de facto, estar a apertar-se em torno da Administração de Trump e do reino saudita.

“DAVOS DO DESERTO” PODE ESTAR EM RISCO

A Casa Branca anunciou na quinta-feira que o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, cancelou a sua deslocação ao fórum económico que decorre na Arábia Saudita na próxima semana e que tem sido apelidado de Davos do Deserto. O cancelamento segue-se a outros de figuras destacadas, como a diretora do Fundo Monetário Internacional, o chefe executivo do banco JP Morgan, o presidente da Ford, o ministro britânico do Comércio e os ministros das Finanças de França e da Holanda. Neste momento, a realização da cimeira poderá estar em risco, apesar das garantias sauditas de que é para avançar.

O Presidente dos EUA tem lembrado os mil milhões de dólares em armas negociados com os sauditas, sublinhando que um potencial embargo custaria muito dinheiro e empregos à economia americana. Russell Schaffer diz que é preciso esperar para ver o que Trump fará, recordando, de caminho, que o Presidente “não é a única entidade que pode punir a Arábia Saudita”.

“Ainda temos o Congresso e, apesar das divisões profundas, os congressistas geralmente unem-se bastante para fazer a coisa certa quando se trata de sanções”, lembra ainda. “Vimos isso com a Rússia, por exemplo. O Congresso quer endurecer a sua posição em relação aos sauditas. E, ao contrário de Trump, nenhum membro do Congresso tem condomínios em Nova Iorque e na Flórida para lhes vender”, sublinha Schaffer.