Que economia vai o novo governo encontrar?

António Costa com Mário Centeno e Ferro Rodrigues, numa ação de campanha <span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

António Costa com Mário Centeno e Ferro Rodrigues, numa ação de campanha Foto Tiago Miranda

Economia a desacelerar, défice em mínimos históricos e uma legislatura de juros historicamente baixos pela frente. A má notícia é que pode aparecer uma crise a qualquer momento

Texto João Silvestre

António Costa irá suceder a António Costa e, nas Finanças, Mário Centeno deverá dar lugar a Mário Centeno. Ou seja, tudo na mesma na frente governativa para lidar com uma economia e com uma situação orçamental que, pelo menos à primeira vista, são mais favoráveis do que em governos anteriores. Basta ver, por exemplo, que em 2011 Passos Coelho chegou a São Bento com um programa da troika para executar, Sócrates foi reeleito em 2009 em plena Grande Recessão e já em 2005 tinha apanhado o país sob procedimento por défice excessivo, ou que Durão Barroso, em 2002, teve de lidar com o primeiro défice excessivo da Europa numa altura em que, nas suas palavras, o país estava de ‘tanga’. Mesmo António Costa, em 2015, assumiu a governação num período de alguma pressão no sistema financeiro, com a entrada em vigor das novas regras de resolução bancária – que levou a uma intervenção no Banif – e teve de negociar sob alta tensão com Bruxelas por causa do esboço orçamental.

Contas públicas estão melhores, mas...?

Agora Portugal não está de tanga. Nem sob pressão europeia para consolidar as contas públicas. Está até, em termos de contas públicas, numa situação bastante mais confortável. O défice é o mais baixo de sempre e, diz o ministro das Finanças, pode mesmo ficar abaixo da meta de 0,2% do PIB este ano. O que, na prática, significa contas equilibradas, um cenário que Portugal nunca viveu desde 1974. O novo – velho? – ministro das Finanças terá, por isso, uma situação bastante favorável para gerir e, se necessário, até tem margem para deixar derrapar as contas sem comprometer o cumprimento mínimo das regras orçamentais básicas europeias, mais concretamente o limite de 3% do PIB, que é a regra mais relevante

Quer isto dizer que são tudo facilidades? Não, nada disso. Primeiro, porque o défice está historicamente baixo mas a dívida continua a ser a terceira mais alta da zona euro, depois das de Itália e Grécia. Deverá ficar este ano em 119,3% do PIB, e para que continue a descer é necessário manter saldos orçamentais primários (sem juros) positivos. No Programa de Estabilidade 2019-2023, Mário Centeno aponta para valores na ordem dos 3% do PIB ao longo dos próximos quatro anos, o que, para ser possível, exige uma enorme contenção orçamental. Tendo em conta que há efeitos ‘automáticos’ a correr na despesa, como o descongelamento das carreiras e a regra de atualização de pensões, a margem de decisão é reduzida. Por isso, o próximo ministro das Finanças terá de manter as contas muito controladas sob pena de ver o ritmo de redução da dívida abrandar.

Muitas variáveis

Como se sabe, estas coisas dependem da dinâmica de variáveis como o crescimento da economia e dos mercados financeiros, nomeadamente o comportamento do segmento de dívida, onde o Estado português coloca anualmente quase 20 mil milhões de euros em títulos de curto, médio e longo prazo. E aqui há uma boa e uma má notícia. Primeiro a má notícia. O PIB português está a abrandar, e esta tendência vai continuar nos próximos anos. Este ano, a taxa de crescimento deverá andar entre 1,7% e 1,9%: o Governo prevê 1,9%, mas o Banco de Portugal, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia ficam-se por 1,7%. Mas para os anos seguintes será pior. Enquanto o Governo espera uma aceleração até 2023 (1,9% em 2020, 2% em 2021 e 2022 e 2,1% em 2023), as restantes projeções apontam para desacelerações: no caso do Banco de Portugal para 1,6% nos próximos dois anos; no FMI com uma quebra de ritmo até 1,4% já a partir de 2021; enquanto a Comissão só vai até 2020 com uma previsão de 1,7%.

Estes cenários menos otimistas do que o do Governo e que, embora já contem com um abrandamento da economia europeia, não consideram ainda situações extremas de crise que têm sido avançadas por alguns especialistas, relacionados com a guerra comercial, o Brexit ou a tensão no Médio Oriente. Para já, o cenário relevante é de risco de recessão na Alemanha, em Itália ou em França, mas sem que isso leve a economia da zona euro para o vermelho. Um abrandamento que, mesmo sem entrar em crises graves, afetará as contas portuguesas.

Ainda continua a existir um enorme balão de oxigénio que são os juros em mínimos durante vários anos. E esta é a boa notícia. Os mercados de futuros sobre a taxa Euribor a 3 meses, onde os investidores fixam as taxas para aplicar no futuro, apontam para valores negativos até ao final de 2024, pelo menos. O mesmo deverá acontecer com as taxas (yields) da dívida pública. O que significa que Estado, empresas e famílias irão pagar menos pelos seus empréstimos e pelas suas dívidas.

Pressão dos “falcões”

O Banco Central Europeu anunciou o regresso do programa de compra de dívida, naquela que foi a última reunião do mandato de Mario Draghi, e com isso ajudou a prolongar o período esperado de juros em mínimos históricos. Desde 2015, Portugal já viu a sua taxa média da dívida baixar de 3,6% para 2,8% (no ano passado), e este ano as taxas continuam a descer, o que representa uma poupança a rondar 2000 milhões de euros face ao que se pagaria caso a taxa não tivesse descido.

Claro que a evolução dos juros não tem obrigatoriamente de seguir o ‘caminho’ dos contratos de futuros. Vai depender do comportamento da economia – quanto pior mais baixos, em princípio, os juros ficarão – e da política do BCE. A partir de novembro, o leme vai estar na mão de Christine Lagarde, e não se esperam facilidades para a ex-diretora do Fundo Monetário Internacional. A decisão recente foi altamente contestada, até publicamente, o que não é habitual, e Lagarde vai sofrer grande pressão dos ‘falcões’ para ter uma política menos expansionista.