Utilidade Marginal

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João Silvestre

O PIB português pode mesmo cair 25%?

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O título deste texto é enganador. Na verdade, ninguém pode dizer com certeza absoluta qual irá ser o impacto da crise do coronavírus na economia. Nem na portuguesa, nem em qualquer outra. O trambolhão vai depender da duração e da gravidade da pandemia, algo que neste momento nem o mais sofisticado modelo matemático consegue prever. Sabemos, isso sim, sem margem para dúvidas, que a queda vai ser grande e que podemos estar perante uma das maiores crises económicas da história económica mundial.

Portugal entrou hoje em estado de emergência que, por aquilo que já sabemos, vai agravar a travagem brusca que há vários dias já se nota na economia. Do que podemos estar a falar, no cenário mais referido por toda a gente, é de um período de três meses: entre o início de março quando surgiram os primeiros casos da doença e final de maio para quando, se espera, que o número de infetados já tenha diminuído. É um trimestre, um quarto do ano, em que, se a economia estivesse parada a 100%, eram 25% do PIB que iam à vida.

Este calculo é, naturalmente, rudimentar. Aliás, muito rudimentar. Primeiro, porque a economia não pára a 100%. E depois, em segundo lugar, porque há alguma actividade que pode transitar para os meses seguintes compensando aquilo que não se fez antes. O impacto final será sempre a conjugação de todos estes efeitos. Há casos, mais ou menos óbvios, em que é possível compensar depois o que não se fez agora. Como as viagens que foram adiadas, os concertos que foram remarcados ou até a aquisição de bens duradouros (casas, carros ou equipamentos) que ficaram em espera. Mas há muita coisa que não voltará nunca. As refeições que não se fizeram, consumo de bens perecíveis que nunca aconteceu ou as despesas de funcionamento de empresas que estiveram fechadas. É o tal efeito de substituição intertemporal, altamente imperfeito, que Ricardo Reis tão bem explicava no texto que publicou esta quarta-feira no Expresso online.

Sabemos bem como, na economia, as despesas de uns são as receitas de outros e que, quando tudo pára, o efeito dominó é avassalador. A questão é saber qual a dimensão da paragem, quanta dessa paragem é recuperável e qual o estado da economia nessa altura. A recuperação do tempo parado não depende apenas do setor específico, depende igualmente – e muito – do rendimento que exista depois da crise. Ou seja, mesmo que uma família pretenda manter a compra do carro que tinha planeado fazer em março ou fazer as férias nas Caraíbas que adiou é preciso que, passada a tormenta, o seu poder de compra o permita fazer. E que, além disso, as suas expetativas em relação ao futuro sejam suficientemente positivas para que, mesmo com dinheiro no bolso, não se retraia de o fazer. Esse é o grande desafio para governos e bancos centrais que, como sabemos, já lançaram uma dose massiva de estímulos: ajudar as empresas e as famílias a sobreviver o melhor possível a estas semanas de crise para que, no pós-crise, a economia esteja o melhor possível para minimizar os efeitos rendimento e expectativas.

Se medirmos a economia pela despesa, em que o PIB é a soma de consumo privado e público, investimento e o saldo comercial (exportações menos importações), é fácil perceber que todas as componentes vão sofrer. O consumo privado, que representa 80% do PIB, retrai-se por razões óbvias. Mantém-se o consumo de produtos essenciais (de supermercado e farmácia) e também serviços básicos como energia, água ou telecomunicações. O consumo de bens duradouros, que pesa 10% no consumo privado, tenderá a cair drasticamente. Tendo em conta que o consumo privado representa cerca de dois terços PIB, se não houver compra de bens duradouros, só por aí o PIB cairia 2 %. No limite oposto, se apenas houvesse consumo de bens alimentares e metade dos normalmente gastos em não alimentares e serviços, o impacto já rondaria 8%. Isto admitindo que a parte pública do consumo não se alterava o que pode ser uma hipótese excessivamente simplificadora.

Bem pior é o investimento – público e privado – onde se espera uma travagem a fundo. Não há empresas a investir neste momento e o único esforço virá do Estado, nomeadamente na área da saúde e outras essenciais para lidar com a pandemia. Um cenário em que apenas haja investimento público durante três meses rouba quase 6% ao PIB. Se a parte privada se mantiver a metade, então o impacto é de apenas 2,5%.

Só por aqui, com cálculos simples, temos um intervalo para a recessão que vai de uma queda do PIB perto de 4,5% até 14%. E ainda falta avaliar o impacto no comércio externo que tem sido ligeiramente negativo nos últimos trimestres mas que, com a paragem de empresas com a Autoeuropa ou a TAP, pode facilmente resvalar para elevados défices. Até porque muitos produtos importados não podem ser substituídos por produção nacional, como é o caso do petróleo.

Na verdade ninguém sabe qual vai ser a dimensão da crise. Espera-se que seja grave, pode ser a maior queda anual do PIB português em muitos anos e bater até a descida dos três anos da troika. É uma realidade nova, que as economias nunca viveram antes com exceção talvez dos períodos de guerra, e fazer previsões é um exercício arriscado. A prioridade agora, no entanto, é tratar dos doentes e travar o contágio. As contas fazem-se no fim.