A tempo e a desmodo

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Henrique Raposo

O centro-direita é a esquerda do futuro próximo

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A roda do tempo: a esquerda do futuro próximo

A roda do tempo: a esquerda do futuro próximo

Defendo a tese há bastante tempo e acho que é cada vez mais evidente. Os herdeiros dos federalistas, de Lincoln, de Tocqueville, de Burke, de Churchill ou de Aron serão a esquerda do futuro. Estou até desconfiando que este centro-direita de sempre já é a esquerda de hoje. Para explicar o presente e o futuro próximo, recorro a um homem do passado: Edmund Burke, um dos símbolos do pensamento conservador-liberal dos últimos séculos, um símbolo da luta contra a revolução da esquerda. Contudo, Burke também era um símbolo da luta contra a reação de parte da direita. Aliás, Burke estava à esquerda no seu tempo. Não era Torie, era Whig. Defendeu os princípios da revolução americana, por exemplo. A roda do tempo deu a volta. Hoje em dia, aqueles que sempre seguiram Burke ou outras referências do centro-direita liberal e conservador, de Tocqueville a Lincoln, estão a caminhar para a esquerda. Isso já é evidente nos EUA: Zakaria, Boot, Powell, Stevens, entre outros, foram empurrados para a esquerda.

Em Portugal é impressionante a ausência de reflexão sobre o grande fenómeno histórico deste século: a esquerda na Europa está a desaparecer. A extrema-esquerda comunista já tinha desaparecido, agora é o centro-esquerda social-democrata/socialista que está a ser varrido do mapa. A “abertura” de Macron e dos Verdes na Alemanha nada tem que ver com a esquerda no sentido correto da palavra. É uma “abertura” liberal clássica. Mas, se calhar, é isto: o futuro da esquerda é o liberalismo clássico.

O suicídio da esquerda força o centro-direita liberal e conservador a passar para o lado esquerdo do barco contra o populismo nacionalista e reacionário. Burke, símbolo da direita moderna, estava à esquerda. O princípio é o fim e o fim é o princípio, dizia Eliot. A roda do tempo gosta de gozar com a nossa cara

As eleições na Baviera, o “país” mais rico da Europa, voltam a confirmar o colapso da esquerda. Os sociais-democratas perderam cerca de metade do seu poder. Baviera, Alemanha, Itália, Holanda, França – a história repete-se. Mais do que o centro-direita, é o centro-esquerda que está a desaparecer. Porquê? Em primeiro lugar, a esquerda deixou de ser de esquerda, isto é, deixou de ser progressista. No tempo do marxismo, a esquerda pensava que era a única forma de iluminismo possível, esquecendo que Lincoln, por exemplo, também era iluminista. Quando passou de Sartre para Foucault, a esquerda deixou de acreditar no iluminismo por inteiro; tornou-se reacionária, irracional, romântica, atacando qualquer universalidade iluminista ou cristão (direito natural, por exemplo; os “direitos humanos” eram vistos como um imperialismo cultural ocidental). Este espírito reacionário trouxe para a esquerda o pensamento da velha direita nacionalista e romântica, outrora a grande inimiga do universalismo iluminista ou cristão. O resultado desta mudança foi o politicamente correto: a obsessão com a identidade (sobretudo a racial) criou aquilo que conhecemos, uma sociedade dividida entre tribos sem um chão comum. Pior: este tribalismo de esquerda foi projetado contra a tribo maior, o homem branco. No centro do projeto da esquerda das últimas gerações, está a tentativa de destruição de todo e qualquer legado ocidental e branco. Todos têm direito à sua “identidade” menos o homem branco, menos as diferentes nações europeias. Ora, isto não só é uma falácia intelectual e moral, também é um suicídio político. É que a tal maioria branca abandonou a esquerda.

Este abandono foi acelerado a partir do momento em que se tornou evidente que os brancos pobres, outrora uma base eleitoral forte da esquerda, eram os pessoas mais desprezadas por esta esquerda nova (que de esquerda nada tem). Por essa Europa fora, a esquerda assumiu que a “vítima” só podia ter pele negra ou castanha, desprezando assim o sofrimento e a pobreza daqueles que têm pele branca e que agora lançam a maior bomba política deste século: o colapso da esquerda nas urnas.

E agora? Bom, é cada vez mais óbvio que o futuro está num choque entre uma emergente direita nacionalista e o centro-direita clássico, que, neste quadro, passa a ser a esquerda. Lincoln, o fundador dos republicanos, hoje em dia só faz sentido no Partido Democrata. A grandeza do patriotismo de Churchill não cabe na cabine telefónica mental que é o nacionalismo. Sim, o suicídio da esquerda força o centro-direita liberal e conservador a passar para o lado esquerdo do barco contra o populismo nacionalista e reacionário. Burke, símbolo da direita moderna, começou à esquerda. O princípio é o fim e o fim é o princípio, dizia Eliot. A roda do tempo gosta de gozar com a nossa cara.