Um debate inventado para o “abominável Galamba”
Os políticos não são especialistas. Não o devem ser. Os especialistas têm o saber técnico, aos políticos são exigidas outras qualidades: imaginação, capacidade de negociar e de mobilizar vontades, conhecimento do aparelho de Estado, capacidade de lidar com a incerteza e com as forças que se movem na sociedade. Tudo coisas que a esmagadora maioria dos técnicos não conseguiria fazer. Os cemitérios políticos estão pejados de extraordinários académicos. E não faltaram pessoas com pouco ou nada a ver com as áreas a marcar pontos nas suas pastas: António Costa foi um excelente ministro da Justiça (e ser jurista não faz dele um especialista), Paulo Macedo foi elogiado como ministro da Saúde e o fundador do SNS foi um advogado.
Para onde devem ser escolhidos especialistas é para lugares técnicos. O facto de ministros e secretários de Estado se rodearem de boys partidários em vez de serem assessorados por especialistas é que deve merecer crítica. E ainda mais quando enchem o Estado, em lugares que são de confiança política mas não correspondem a cargos políticos, pessoas que não são da área. Ou, caso mais ainda grave, quando escolhem para entidades reguladoras deputados. A regulação, sendo uma função política do Estado, depende de conhecimento técnico. Mas a competência técnica de ministros e secretários de Estado é a política. E devem rodear-se de técnicos para tomar boas decisões políticas. Sempre assim foi e qualquer debate que desqualifique um governante apenas por não ter currículo técnico na área é tonto e ignorante em relação à longa história de excelentes ministros que o foram apenas por serem excelentes políticos.
Não me recordo de alguém alguma vez se ter perguntado quais eram as qualificações de Assunção Cristas para a Agricultura ou de Aguiar Branco para a Defesa. O problema é mesmo o “abominável Galamba”, como lhe chamou Pulido Valente, cujo estilo a direita detesta. São livres de ter as suas embirrações. Mas não me parece que elas mereçam ser tema de debate nacional
Mesmo assim, instalou-se um estranho debate: a competência de João Galamba para ser secretário de Estado da Energia. Estranho porque inédito. Não me recordo de alguém alguma vez se ter perguntado quais eram as qualificações de Adolfo Mesquita Nunes para a pasta do Turismo, de Luís Campos Ferreira ou de Francisco Almeida Leite para a Cooperação, de Berta Cabral para a Defesa, de João Almeida para a Administração Interna, de Pedro Lomba para o Desenvolvimento Local. E se subirmos a ministros, de Assunção Cristas para a Agricultura e de Aguiar Branco para a Defesa. E fiquei-me apenas pelo Governo anterior. Encheria parágrafos e parágrafos com nomes de políticos nomeados para pastas nas quais não tinham experiência técnica ou política. Pessoas cuja nomeação não provocou este debate. Nem neste nem em todos os Governos anteriores.
Perante a escolha de João Galamba para a Secretaria de Estado da Energia, David Justino exclamou, no seu Facebook, que “anda tudo doido”. Com maiúsculas. Devo recordar que David Justino foi ministro de um Governo que teve Celeste Cardona como ministra da Justiça (depois foi para a CGD), Isaltino Morais como ministro das Obras Públicas, Paulo Portas como ministro da Defesa e Teresa Caeiro como secretária de Estado da Segurança Social e, no overno seguinte, das Artes e Espetáculos.
A razão para esta polémica é óbvia e nada tem a ver com a adequação de João Galamba ao cargo. Tem a ver com o facto de João Galamba ser um deputado que, pelo seu estilo, irrita a direita. Tanto que levou o Vasco Pulido Valente a lançar uma fatwa contra ele, chamando-lhe de “abominável Galamba”. Não é a competência de Galamba para o cargo que os preocupa, pois nunca ouvimos de Rui Rio críticas a Passos por todas estas escolhas que referi. E em alguns dos casos seriam críticas injustas. O problema é mesmo Galamba. São obviamente livres de ter as suas embirrações. Mas não me parece que elas mereçam ser tema de debate nacional.