DocLisboa 2018

“Um território de discussão e não de censura”: sete escolhas políticas para ver no Festival de Documentário de Lisboa

Imagem do filme “YOL: The Full Version” <span class="creditofoto">Foto DR</span>

Imagem do filme “YOL: The Full Version” Foto DR

Filmes que contam, acusam, revelam, torcem e retorcem e exigem atenção. Filmes que podem deslocar o espetador para parte incerta - ou certa. São quase 250 as obras que passam nos próximos dez dias em Lisboa. A 16ª edição do DocLisboa começa esta quinta-feira, dia 18 de outubro, e a diretora do festival, Cíntia Gil, deixa aqui os sete filmes políticos que não deve perder. Até porque este ano o festival foi “brindado” com uma novidade: a Embaixada da Ucrânia pediu para ser retirado um filme do programa do festival (“Their Own Republic” de Aliona Polunina) e a da Turquia pediu a revisão de textos na apresentação de filmes da secção “Foco: Navegar o Eufrates – Viajar no Tempo do Mundo”. “Ninguém na equipa da Apordoc tem memória de tal ter acontecido antes, e vemos isto como um sinal preocupante. O Doclisboa é um território de discussão e não de censura”, afirma a direção do festival

Texto Joana Beleza

1º THE WALDHEIM WALTZ de Ruth Beckermann | 94’

18 OUTUBRO | CULTURGEST | 21H30


O primeiro destaque vai para o filme de abertura do festival, da autoria de Ruth Beckermann, porque é um filme em que a realizadora pega numa série de materiais de 1986, altura em que foi ativista contra a candidatura de Kurt Waldheim nas eleiçoes presidenciais da Áustria, e faz uma espécie de arqueologia deste homem, antigo secretário-geral da ONU. Beckermann escamoteou dois anos do passado deste homem e veio a perceber que são dois anos de proximidade ao nazismo. No fundo, Ruth Beckermann está a perguntar pela Áustria, pelo seu futuro e pelo seu presente, mostrando também que a questão da extrema direita e do fascismo não foi minimamente tratada, antes metida debaixo do tapete na Europa. A realizadora vai estar em Lisboa para assistir à sessão, portanto será interessante.

2º GOING SOUTH de Dominic Gagnon | 108’

19 OUTUBRO | CULTURGEST | 21H15 e 27 OUT | SÃO JORGE | 16H30


Na secção “Riscos” quero destacar este filme, porque o Dominic trabalha uma ideia de ecologia das imagens, o que é bastante interessante hoje em dia. Ele não filma, usa imagens do Youtube e constrói narrativas através delas. Nós já mostramos um filme anterior, o Of the north (na edição do Doclisboa em 2016), e agora ele faz uma espécie de trabalho sobre o que será este mundo, numa época de notícias falsas, em que estamos constantemente a produzir notícias para a Internet e estamos sempre online. Que mundo é este em que estamos nesta permanente produção de notícias falsas?

3º ACTOS DE CINEMA de Jorge Cramez | 115’

25 OUTUBRO | CULTURGEST | 21H30 e 28 OUTUBRO | CINEMA IDEAL | 22H15


Mais um filme da secção “Riscos” que não parecendo político é muito político. É um filme que representa 20 anos de trabalho do Jorge Cramez em rodagens em que participou. Cramez foi filmando essas rodagens, portanto há momentos de realizadores que já não estao entre nós - como o Fernando Lopes ou o José Álvaro Morais -, mas há também o Miguel Gomes, a Teresa Villaverde, a Catarina Ruivo, etc. “Actos de Cinema” revela entrevistas com muitos desses realizadores, atores e técnicos. E portanto, creio que é fundamental ver este filme, porque ali temos de facto contacto com aquilo que é o cinema português e as suas condições de produção.

4º THE VAMPIRES OF POVERTY de Carlos Mayolo e Luis Ospina | 29’

23 OUTUBRO | CINEMATECA | 21H30


Este é um filme mítico de Luis Ospina. Realizado na segunda metade dos anos 70, em 1978, com o Carlos Mayolo, é um falso documentário em que ensaiam o conceito de porno-miséria. A obra é bastante sarcástica (e acaba por ser trágico-cómica) e consiste numa falsa equipa de televisão que vai para Cali, na Colômbia - terra natal de Luis Ospina - para filmar a pobreza e depois a vender a um canal alemão. No fundo, é um filme que vai parodiando essa ânsia de produção de imagens da miséria e a própria fetichização da pobreza, que acaba por ser um produto altamente vendável na Europa.

Na mesma sessão passam mais duas curtas de Luis Ospina. “Listen, Look!” - um filme sobre as consequências dos VI Jogos Pan-Americanos na cidade de Cali do ponto de vista dos que não tinham dinheiro para entrar nos estádios e “Eye and View: the Artist’s Life is in Danger” em que, dez anos após “The Vampires of Poverty”, o realizador reencontra um dos seus personagens principais, artista de rua, que ainda interpreta o mesmo espectáculo. Ao ver o filme, o artista reflete sobre a vida, o trabalho e o próprio filme.

5º RESURRECTION de Orwa Al Mokdad | 18’

23 OUTUBRO | CULTURGEST | 21H45 e 25 OUTUBRO | CULTURGEST | 14H00


Na “Competição Internacional”, vou salientar “Resurrection” de Orwa Al Mokdad, uma curta metragem do realizador sírio, que ganhou um prémio no Doclisboa em 2016 (Prémio FCSH para Melhor Primeira Obra transversal a Competições e Riscos), com “300 Hundred Miles”. Em “Resurrection” ele teatraliza e dramatiza, numa espécie de desabafo, ou até confissão, sobre o facto de estar refugiado no Líbano e não poder voltar à sua terra, não poder completar o seu filme. É um filme testemunhal muitíssimo forte. É sempre complicado salientar filmes de competição, mas este gostava mesmo que o público o visse. Estamos a tentar que o realizador esteja presente no festival, mas ainda não sabemos se iremos conseguir.

6º THEIR OWN REPUBLIC de Aliona Polunina | 70’

22 OUTUBRO | CULTURGEST | 21H30 e 25 OUTUBRO | CULTURGEST| 10H30


É mais uma das minhas escolhas e é o filme que a Embaixada da Ucrânia nos pediu para retirar. Julgo que é importante este filme ser amplamente debatido. Somos acusados de dar voz e protagonismo, e até de apoiar, um grupo terrorista, neste caso um batalhão pró-russo na autoproclamada República de Donetsk. E, de facto, o filme é sobre esse batalhão. Mas é bem diferente mostrar uma coisa ou concordar e aderir a ela. Por um lado, quem vir o filme vai perceber que é um retrato muito alarmista e até trágico da situação absurda de homens naquela região, com valores muito mais universais do que apenas os que estão associados a esta questão na Ucrânia. Por outro lado, é a prova de que o cinema documental tem a capacidade de ir para lá dos maus caminhos e das decisões extremas e radicais que muitas vezes servem a geopolítica internacional, mas não servem as pessoas. Convidámos a embaixadora da Ucrânia para estar presente na sessão, mas não tivemos resposta.

7º YOL: THE FULL VERSION de Yilmaz Güney e Şerif Gören | 113’

19 OUTUBRO | SÃO JORGE | 22H00 e 27 OUTUBRO | SÃO JORGE | 14H00


Este filme pertence à sessão “Foco: Navegar no Eufrates, Viajar no Tempo do Mundo” e foi realizado por Ylmaz Güney e Şerif Gören. Esta obra tem uma história particular: o realizador Ylmaz Güney foi preso político na Turquia e condenado a prisão perpétua. Depois, conseguiu sair e exilar-se em França, mas pediu a Şerif Gören - outro realizador que saiu tempos antes da prisão - para filmar este projeto, que acabou por ser montado na Suíça e ter co-produção suíça. “Yol” venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1982, esteve banido mais de trinta anos na Turquia e depois passou no país numa versão censurada. A versão apresentada no DocLisboa é a versão restaurada estreada no Festival de Cannes de 2017 e é um filme de uma beleza extrema. Sobretudo é um filme sobre a sociedade turca e a opressão do regime, através das histórias de diferentes personagens, com diferentes origens - a questão curda está lá bem patente - e muitas vezes das suas relações familiares, com as suas mulheres, etc. É um filme profundamente tocante e comovente e ao mesmo tempo tem uma dimensão política enorme, tanto que é polémico ao ponto da Embaixada da Turquia pressionar o DocLisboa no sentido de retirar as sinopses do filme do programa do festival. Mais um caso em que o festival gostaria de ter representantes da embaixada para debater ideias no final da sessão de cinema.

PS: Uma última nota para a “Sessão Descontraída”, que vai na sua segunda edição no DocLisboa. Diz a sinopse que “é uma sessão destinada a todos os indivíduos e famílias que prefiram um ambiente com reduzidos níveis de ansiedade, famílias com crianças pequenas, pessoas com deficiências sensoriais, sociais ou de comunicação, pessoas com condições do espectro autista, incluindo Síndroma de Asperger, pessoas com deficiência intelectual, crianças com défice de atenção, pessoas com Síndroma de Down, pessoas com Síndroma de Tourette e seniores em estados iniciais de demência”. Terá a duração de 58 minutos e acontece a 28 de outubro às 11h na sala 2 do cinema São Jorge.