Opinião

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Martim Silva

Tancos não era só Azeredo. E também não deve ser só Rovisco

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No início do mês, o general Rovisco Duarte deslocava-se à Assembleia da República para ser ouvido pelos deputados da Comissão Parlamentar de Defesa. Questionado então sobre se o seu lugar estaria em causa, por causa de toda a polémica relacionada com Tancos - na altura começava a falar-se da questão do encobrimento que levaria à queda do ministro -, o Chefe do Estado Maior do Exército respondia assim: "Não tenho nada a ver com o assunto, é a única coisa que posso dizer nesta fase".

Pelos vistos tinha e muito a ver com o assunto, como a sua demissão hoje prova à saciedade. Aliás, a única coisa que admira neste caso é como o mais alto responsável pelo nosso Exército se aguentou no lugar durante ano e meio depois do gravíssimo desaparecimento de material militar dos paióis de Tancos. Há casos em que assobiar para o lado não pode mesmo resultar.

Vamos refrescar a memória. Uma simples análise de imprensa sobre aquilo que Rovisco foi dizendo ao longo do tempo é de deixar os cabelos em pé. Ainda no início deste ano, o general afirmava que o furto de material de guerra de Tancos "é um assunto encerrado. Para o Exército é um assunto encerrado", depois de concluídos os quatro processos disciplinares.

O ministro que desvalorizou várias vezes o tema não aguentou. O general que dizia nada ter que ver com o assunto ou que este já estava resolvido já tinha a sua continuidade como CEME depois de 2019 comprometida, mas agora seguiu agora o mesmo caminho da demissão. Inevitável. Embora tenham sido inevitabilidades que levaram muito tempo a ser concretizadas.

A saída Azeredo Lopes era dada há muito como inevitável. Mas a demissão do general Rovisco Duarte, que esteve mal em todo o processo de Tancos, não era menos imperativa

É normal que durante muito tempo os olhos da atenção pública estivessem voltados para o ministro da Defesa, Azeredo Lopes. Mas a atuação de Rovisco Duarte no assunto já há muito que tinha pontos facilmente criticáveis.

Já aqui falei de uma audição parlamentar. Noutra, este verão, num encontro sobre a recuperação do material militar, o general respondeu de uma forma bizarra: "Não sei o que estou aqui a fazer. Não aconteceu nada de relevante neste processo que justifique a minha presença", alegou, escudando-se no argumento formal de que o Exército se tinha limitado a enviar dois sargentos de inativação de explosivos aquando da recuperação do material roubado, não indo a sua intervenção além disso.

Na mesma audição, o general Rovisco Duarte deixou uma frase certeira. Mais certeira do que possivelmente poderia ter imaginado. Disse então que "este furto não doeu a ninguém mais do que ao Exército. Sentimos esse peso. Como tal, o Exército é o principal interessado em apurar toda a verdade. Tancos não pode existir nunca mais".

Pois é, Tancos não pode existir nunca mais. Como não pode existir nunca mais este clima generalizado de irresponsabilidade, encobrimentos e passa culpas num caso tão grave. Porque se o roubo fere a instituição, a forma como esta reagiu não a deixa em melhor estado.

PS: as notícias dão conta de dedo do novo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, na saída antecipada de Rovisco Duarte. É importante que o Exército, depois de dois generais que o lideraram e não cumpriram os mandatos até ao fim (envolvidos em casos ou em conflito com o poder político), volte a conseguir alguma estabilidade. A escolha do próximo CEME é assim um passo absolutamente decisivo.