Política

CEME justifica demissão ao Exército: “As circunstâncias políticas assim o exigiram”. Presidência disse que as razões eram “pessoais”

<span class="creditofoto">Foto Marcos Borga</span>

Foto Marcos Borga

Na mensagem que enviou a todo o Exército para justificar a sua demissão, o general Rovisco Duarte escreveu que as razões são “políticas”. No site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa diz que o general invocou “razões pessoais”. Não resistiu uma semana à saída de Azeredo Lopes nem a 48 horas do novo ministro

Texto Vítor Matos

O general Rovisco Duarte apresentou a demissão esta quarta-feira do cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército e, segundo a nota da Presidência da República e o Ministério da Defesa, o CEME invocou "razões pessoais". No entanto, na mensagem que enviou ao ramo pela intranet do Exército, justificou a demissão de forma mais clara. E oposta: "A todos vós, e unicamente a vós, devo uma explicação: as circunstâncias políticas assim o exigiram". A seguir, sem nunca explicitar as circunstâncias em concreto, apresentou as razões que o levaram a demitir-se de funções, ano e meio depois de rebentar o caso de Tancos e 48 horas após a tomada de posse do novo ministro João Gomes Cravinho. É mais uma baixa política causada pelo furto aos paióis, mas sobretudo pelo avolumar de pressão política após a revelação da forma como a Polícia Judiciária Militar recuperou o material.

O CEME não aguentou uma semana desde que se demitiu Azeredo Lopes, na semana passada, e que sempre o protegeu. Depois de dois anos e seis meses de mandato, que terminava em março de 2019 - recorde-se que substituiu o anterior CEME na sequência da polémica sobre a discriminação de alunos homossexuais no Colégio Militar, - Rovisco Duarte fez um balanço aos seus homens: "Quando assumi funções, estabeleci uma linha de ação para o meu comando que assentava sobre uma visão de modernidade, qualidade e equilíbrio entre os diferentes subsistemas que compõem o Exército. Sabia que iria ser uma campanha dura".

"A realidade assim o provou", escreveu o general, aludindo ao seu mandato atribulado cheio de casos e crises. Rovisco Duarte menciona a "condução dos assuntos administrativo-logísticos do Ramo", mas também os assuntos de "natureza operacional", quer "também no diálogo institucional com os diferentes atores, quer, ainda, na resolução dos problemas inopinados e graves que foram surgindo". Ou seja: as crises das mortes nos comandos, o furto do material de guerra dos paióis de Tancos e posteriormente toda a polémica em torno da recuperação do equipamento militar pela PJM. Agora, teria de enfrentar uma comissão de inquérito ao caso de Tancos, para apurar responsabilidades políticas. O PSD, através do deputado Carlso Peixoto, já disse que quer levar o assunto "às últimas consequências". Telmo Correia, do CDS exigiu explicações do próprio primeiro-ministro, António Costa. Aliás, este caso pode subir agora um patamar.

Esta quarta-feira, em entrevista à TSF, o presidente do PS Carlos César tinha afirmado que o caso de Tancos não poderia ficar pela saída do ministro e disse esperar "consequências do ponto de vista das Forças Armadas, em particular, do Exército", indiciando uma demissão que acabou por se concretizar poucas horas depois.

Marcelo Rebelo de Sousa, confrontado pelos jornalistas numa ação em VIla Franca de Xira, disse apenas que reproduziu no site da Presidência os termos da demissão tal como colocados pelo general: "Aquilo que está no sítio da Presidência foi o que estava na carta", afirmou o PR.

Ao longo do último ano e meio a dois anos - o general, que tinha sido Inspetor-Geral do Exército e já tinha antes uma visão muito transversal dos problemas do ramo -, foi sentindo o desgaste pessoal e político devido a todos os casos que foi tendo que enfrentar. Um dos momentos díficeis por que teve de passar aconteceu quando se demitiram os generais Calçada e Faria de Menezes, respetivamente Comandante de Pessoal e Comandante das Forças Terrestres, ambos colegas de curso de Rovisco Duarte na Academia Militar.

Este foi um dos maiores revezes internos com que o CEME teve de lidar, na sequência da punição em forma de exoneração provisória dos cinco coronéis que comandavam as unidades responsáveis pela segurança dos paióis assaltados. Estas demissões dos dois tenentes-generais acabaram por causar um curto-circuito momentâneo na hierarquia do ramo e geraram uma onda de insatisfação e contestação surda de fações do Exército que deixaram de se rever no CEME.

Na mensagem interna, a que o Expresso teve acesso, o general alega que sempre defendeu os militares: "Devo dizer que fiz sentir permanentemente, nos diferentes níveis institucionais e circunstâncias, a necessidade de ser dada satisfação aos seus anseios pessoais, profissionais e familiares".

"O culminar de toda esta preocupação, visando a criação de um Exército mais moderno e mais eficiente, ficou bem evidenciado, designadamente, nos recentes trabalhos de revisão da Lei de Programação Militar LPM) e nos diplomas legais relativos ao regime de incentivos e ao de contrato especial", acrescenta Rovisco Duarte, sem referir que o resultado final da LPM não agradou ao Exército. A lei que planeia e prevê o financiamento do reequipamento das Forças Armadas já estava preparada por Azeredo Lopes, mas não teve o voto favorável do Exército. O ramo considerou-se prejudicado em relação à Marinha e à Força Aérea, que foram contemplados com grandes investimentos para substituir os aviões C130 e as velhas corvetas que ainda navegam. Para a chefia do ramo terrestre, era essencial a substituição dos blindados de lagartas, que estão obsoletos, e um maior investimento na artilharia, sabe o Expresso.

Embora de modo velado, Rovisco Duarte alerta, de forma quase velada, para as diferenças de tratamento entre os ramos: "Porque a sociedade é muito dinâmica, as necessidades de cada ser são muito reais e os equilíbrios institucionais entre os ramos são necessários e prementes, deixo um sinal de alerta, mas também de esperança, pelo muito que há ainda por fazer".

Na segunda parte da sua mensagem, o agora ex-CEME apela à motivação dos militares e escreve que "comandar é uma grande honra e um desafio único, que exige a todos os que têm o privilégio de o exercer total entrega e dedicação", mas que "comandado, visando o cumprimento da missão, não o é menos". E acrescenta: "Tenho afirmado, reiteradamente, que o Exército Português tem de ser capaz de atuar, de forma credível, em todo o espectro da conflitualidade atual, bem como no cumprimento das missões de interesse público." AInda há uma semana, Rovisco tinha viajado para o Afeganistão para visitar os militares portugueses que estão em missão naquele país.