Governar para as pessoas é eleitoralismo
As medidas mais simbólicas deste Orçamento do Estado têm impacto na vida concreta das pessoas: aumento de pelo menos dez euros em todas as pensões; redução dos cortes nas reformas antecipadas; redução das propinas das universidades; livros escolares gratuitos até ao 12.º ano; redução do preço dos passes nos transportes urbanos; redução da dívida tarifária elétrica (que esperamos que venha a ter efeito nos preços aos consumidores); descontos no IRS dos emigrantes que regressem (duvido que tenha algum efeito pretendido e cria uma injustiça desnecessária); aumento do número de pessoas que, por receberem menos, estão isentas de IRS, garantindo um rendimento mínimo. Sublinho ainda o aumento de 11% para a Ciência e 12% para a Cultura, dois parentes paupérrimos deste Governo. E o aumento do IMI e o arrendamento forçado para fogos devolutos.
Lido assim parece um orçamento extraordinário. Mas isso cai por terra quando se olha para os efeitos da contenção orçamental, sobretudo à custa do investimento público e de um aumento salarial dos funcionários públicos que deverá ficar abaixo da taxa de inflação, o que corresponde a uma perda de salário real. A chantagem da direita, que fez de cada corte nos rendimentos dos trabalhadores do Estado um ato de justiça e de cada devolução um escandaloso benefício, parece resultar.
Reduzir drasticamente o preço dos transportes públicos urbanos, a fatura energética, as propinas das universidades e o custo com livros escolares não é gastar dinheiro com futilidades para ganhar votos. Estranho tempo este em que governar para as pessoas sem sequer com isso pôr em causa o futuro e as finanças públicas é, por si só, motivo de crítica
Diz que este orçamento é “eleitoralista”. Na realidade, era uma crítica que estava preparada há três anos para usar quando o orçamento antes das eleições fosse apresentado. A narrativa que se tinha construído sobre este Governo e que foi repetida em todos os orçamentos anteriores era que mantinha a austeridade e apenas libertava recursos para as suas clientelas. Ao dizer-se que este orçamento é eleitoralista, há três possibilidades: ou os outros eram para os funcionários públicos e este é para todos e a oposição irá aprová-lo, ou está tudo na mesma e não faz sentido falar de eleitoralismo, ou é eleitoralista por ser irresponsável ao gastar recursos que não temos. A última tese choca com o facto de neste se prever o défice mais baixo da democracia portuguesa. Quem pensa que deveríamos cortar ainda mais defende a continuação preventiva da austeridade e acha que nos anos anteriores ainda se deveria ter cortado mais.
As minhas críticas a este orçamento não são a este orçamento. Aliás, acho que até são menos intensas neste orçamento do que nos anteriores. São críticas à ausência de reformas (não aquelas que a direita defende) que reforcem os serviços públicos e qualifiquem a economia. Mas não é um pormenor reduzir drasticamente o preço dos transportes públicos urbanos, a fatura energética, as propinas das universidades e o custo com livros escolares. É aumentar os salários indiretos da verdadeira classe média portuguesa. Não é gastar dinheiro com futilidades para ganhar votos. Estranho tempo este em que governar para as pessoas sem sequer com isso pôr em causa o futuro e as finanças públicas é, por si só, motivo de crítica. Como se castigar os mais pobres fosse virtuoso e só beneficiar quem tem mais poder fosse realista.