Um presidente do Eurogrupo encontra um ministro das Finanças numa repartição de Finanças...
Eis um Orçamento que vira a vírgula do défice, a página da austeridade e a folha do calendário. É para eleições. É para funcionários públicos e serviços públicos. E é para Bruxelas. Centeno pode já não ir ao estádio da Luz como ia dantes, mas é ele que põe o “paso doble” da tourada no fim do jogo e entoa o cântico: OE, ó-é, ó-é, o-ééé!...
Ainda é uma proposta mal acabada, surpreende muito pouco, não é tão espetacular como se apresenta e tem beneficiários muito claros: os funcionários públicos, finalmente aumentados e descongelados; os candidatos a pensionistas, por causa das reformas antecipadas; e os serviços públicos, para combater a imagem de que este governo é o carrasco dos hospitais e dos transportes. É um Orçamento do Estado e para o Estado. É um Orçamento para eleições legislativas.
As pessoas ficam melhor mesmo não ficando bem. Porque os impostos continuam muito altos e os rendimentos médios baixos, e porque os serviços do Estado continuam a levantar-se da sova. Mas como vimos de tão mal, a inversão sabe-nos a alívio. A forma como observamos o ponto de chegada depende do ponto de partida, e como de onde vimos estamos pior, a subir todos os santos ajudam.
Quando se diz que austeridade praticamente acabou, não estamos a falar de um conceito político, mas só da sua interpretação técnica. O défice orçamental desce para 0,2%, o que é na prática zero, mas inclui despesa extraordinária, pelo que na verdade estamos a falar de um animal desconhecido entre nós, um excedente orçamental, como dizem os economista. Ou um excelente orçamental, como poderá o presidente do Eurogrupo dizer ao ministro das Finanças antes de Mário Centeno adormecer esta noite. Bruxelas ficará feliz.
O Orçamento está literalmente mal acabado, porque estranhamente lhe falta informação: não está no documento o valor do mínimo de existência, as tabelas de IRS estão exatamente iguais (o que significa que os trabalhadores terão uma ligeira perda do poder de compra idêntica à inflação) e não consta o valor do aumento da função pública, o que sugere por um lado a dificuldade das negociações e por outro lado que este documento ainda será alterado nas negociações na especialidade.
Mas lê-se este Orçamento do Estado e percebe-se bem a modulação política da legislatura. Não há grandes novidades face às notícias das últimas semanas, em grande parte antecipadas para benefício dos parceiros PCP e BE, nem há sequer grande inspiração, nem há tão pouco crescimentos assim tão espetaculares nos bolsos dos portugueses através de medidas específicas. Há a exceção dos utilizadores de transportes públicos, que terão um aumento do rendimento disponível através da descida dos passes, e isso é política pública. Há a exceção dos funcionários públicos, ainda por quantificar, que vai atenuar os cortes reais da última quase década. Há a exceção das reformas antecipadas, cumprindo-se uma promessa. Mas não há quase nada de significativo para as empresas, nem para os recibos verdes, e mesmo as pensões de reforma terão aumentos ligeiros. Mais significativo acaba por ser o aumento da despesa nos serviços públicos (e do investimento público), porque todos os Ministérios terão um orçamento maior. Incluindo o grande orçamento da Saúde. E incluindo Orçamentos menores, mas que tutelam áreas de influência, como a cultura e a ciência. E isso mostra que o governo quer contrariar a imagem de que estrangulou os serviços públicos. Sempre que agora o disserem, levam com trezentas páginas de Orçamento.
Será esse o discurso do governo para a campanha eleitoral, como se prenuncia no próprio texto do documento: António Costa não falará das melhorias de 2019, mas da comparação entre 2015 e 2019, assim sublinhando os crescimentos maiores. Este documento não é pois uma peça única nem isolada, conclui um processo orçamental de uma legislatura inteira. Mário Centeno não fez quatro orçamentos, fez um único dividido em quatro. E despede-se da legislatura (e talvez das suas funções governativas) com um sorriso na cara, beneficiando de uma economia externa a crescer e de juros muito baixos, de dividendos do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos, de um desemprego baixo e de um equilíbrio nas contas públicas que o PS usará como aval de credibilidade e de legitimidade. Centeno pode já não ir ao estádio da Luz como ia dantes ver o seu Benfica à vontade, mas é ele que põe o “paso doble” da tourada no fim do jogo e entoa o cântico: OE, ó-é, ó-é, o-ééé!...