OE 2019

O Orçamento menos austero de Centeno

FOTO PATRICIA DE MELO MOREIRA / GETTY

Último orçamento da legislatura é, de longe, o que alarga mais o garrote orçamental. Medidas apresentadas são pagas com dividendos da Caixa e do Banco de Portugal, descida de juros e cortes não especificados na despesa

TEXTO João Silvestre ILUSTRAÇÃO DE CAPA TIAGO PEREIRA SANTOS

Analisar um Orçamento do Estado em pouco mais de duas horas – o tempo que passou desde que o documento foi conhecido - é quase tão difícil como fazê-lo chegar a tempo à Assembleia da República. Que o diga Mário Centeno, que ficou a escassos minutos do final do prazo. Os detalhes são muitos, os números também, e só com tempo vai ser possível perceber todas as implicações do que está no documento. Afinal são 325 páginas de relatório, outras tantas de articulado da lei e muitas, mas muitas mais, de desenvolvimentos orçamentais dos serviços. Mas há já algumas conclusões que se podem tirar sobre as grandes linhas. E, acima de tudo, sobre as principais dicotomias normalmente em questão nestes casos. O Orçamento é eleitoralista? É despesista? Tem ou não tem austeridade?

Este último Orçamento de Centeno e do Governo é, de longe, o menos austero da legislatura. As principais medidas apresentadas vão ser pagas com dividendos da Caixa Geral de Depósitos e do Banco de Portugal (326 milhões de euros), poupança de 191 milhões de euros em juros da dívida e ainda cortes de 236 milhões de euros nos gastos com um exercício de revisão da despesa não especificado. Tudo formas de pagar os efeitos que transitam dos anos anteriores – como o descongelamento das carreiras, os escalões de IRS ou o fim pleno da sobretaxa de IRS - e novas medidas introduzida no Orçamento do Estado para 2019, como as carreiras longas, o aumento extraordinário de pensões ou a prestação social para a inclusão.

Ao contrário que aconteceu nos anos anteriores, principalmente em 2016 e 2017, no próximo não há grandes medidas restritivas para compensar o anunciado fim da austeridade. Em 2018 já foi assim, mas este ano a liberdade orçamental de Centeno é levada ao extremo e praticamente só há boas notícias. Pelo menos para já. Porque voltam a haver cativações e é preciso perceber como é que os orçamentos dos ministérios, que crescem todos, vão ser executados.

Sem medidas pontuais no valor de 0,4 pontos percentuais e que não são identificadas – uma das hipóteses é novamente o Novo Banco mas o documento não revela – o Estado terá um excedente de 0,2% do PIB. O que permite, nas contas das Finanças, estimar até um ajustamento estrutural de três décimas que fica aquém das seis exigidas pelas regras europeias mas que, apesar de tudo, acontece sem que parecesse possível.

Foto MARCOS BORGA

Eleitoralista?

Todas estas facilidades acontecem, coincidência ou não, em ano de eleições legislativas em que, mesmo sem o pedir, António Costa sonha com uma maioria absoluta. Ter um défice zero dá margem para o Governo adotar uma série de medidas que vão agradar a grandes grupos de eleitores, como os funcionários públicos com aumentos de salários (ainda desconhecidos a esta hora) e progressões de carreiras, as famílias que usam transportes públicos com a descida dos passes sociais, os pensionistas que vão ter aumentos mínimos de 10 euros já em janeiro, os emigrantes que regressem com descontos no IRS ou os consumidores de electricidade.

Em ano de eleições a despesa aumenta sempre mas, para já, o Governo contraria essa tendência ‘histórica’. A despesa em percentagem do PIB recua de 43,9% para 43,5% e a carga fiscal – ou seja, os impostos pagos – recua de 25,3% para 25,1% do PIB. Claro que, no meio de tantas boas notícias, há dados por esclarecer. Não se conhece ainda, a esta hora, qual o efetivo aumento dos funcionários públicos, não se percebe porque não foram atualizados os escalões de IRS pelo menos com a inflação e não se sabe que medidas pontuais estão previstas para 2019. Também porque Centeno ainda não apresentou o documento e a conferência de imprensa foi adiada para a manha desta terça-feira.

Além disso, a previsão de crescimento de 2,2% é das mais otimistas entre as várias disponíveis, nomeadamente a que o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou na semana passada em Bali, onde realizou a sua reunião de outono.