CHINA

China abandona meta política de 7% de crescimento

FOTO REUTERS

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O primeiro-ministro chinês já disse que o número 7% “nunca foi gravado na pedra” e a maioria dos economistas chineses aponta para um crescimento médio anual de 6,5% até 2020. O suficiente para duplicar o PIB per capita em uma década, obrigar o resto do mundo a adaptar-se ao abrandamento chinês e explorar novas oportunidades na maior economia do mundo, refere ao Expresso o especialista Dan Steinbock

TEXTO JORGE NASCIMENTO RODRIGUES

A meta política de 7% de crescimento anual da economia chinesa parece estar enterrada depois da reunião do Comité Central do Partido Comunista da China que se realizou entre terça e quinta-feira para discutir o novo plano quinquenal até 2020.

O anúncio oficial da nova meta de crescimento não será feito antes do Plano quinquenal ser ratificado pelo Congresso Nacional Popular, o equivalente a um Parlamento, em março do próximo ano.

Mas próprio primeiro-ministro chinês Li Keqiang preparou os altos quadros do partido para essa nova realidade ao dizer, na semana passada, na Escola Central do Partido que “7% nunca foi gravado na pedra”, admitindo que o crescimento médio anual para se duplicar em 2020 o PIB per capita – a riqueza anual por cidadão – de 2010 é de “pelo menos 6,53%”, um novo patamar para a meta política de crescimento com vista à consolidação do que denominou de “sociedade moderadamente próspera”.

A maioria dos economistas citados pelo jornal oficial “Diário do Povo” aponta para uma meta média anual de 6,5% até 2020. Chang Xiuze, da Universidade de Tsinghua, afirma mesmo que "a velha meta económica de 7% será difícil de manter" e o jornal oficial conclui que os economistas aconselham o Partido a baixar a meta e a considerar uma taxa inferior a 7% como "aceitável para a economia".

Recorde-se que o Fundo Monetário Internacional, no último relatório do “World Economic Outlook”, divulgado no início deste mês, previa crescimentos de 6,8% e 6,3% em 2015 e 2016 respetivamente. A média anual nos últimos quatro anos foi de 7,98%. O ritmo de crescimento anual desceu para o patamar de 7% em 2012, depois de um crescimento de 9,5% em 2011 e do abandono da meta política intermédia de 8% (que nunca se materializou).

Este abrandamento inevitável do ritmo económico terá repercussões globais importantes em particular nos exportadores de matérias-primas para a China, impacto negativo que já se está a sentir. Mas abre novas oportunidades em várias áreas para o investimento internacional, como nos sublinha o finlandês Dan Steinbock, da consultora Difference Group, diretor de investigação no International Business India China and America Institute e investigador convidado no Shanghai Institutes for International Studies e no European Union Center em Singapura.

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Dan Steinbock: Os mercados estão inquietos em parte por ignorância sobre a China

A China vai abandonar finalmente a meta de 7% de crescimento económico?

Para 2015 o governo chinês ainda tem a meta oficial de “7%, mas flexível”. O crescimento provavelmente, este ano, vai acabar por ficar entre 6,8% e 6,9%, cerca de 7%. Baseado em dados económicos desagregados, o crescimento, de facto, é de cerca de 6,6%.

Isso é inevitável?

Em todos os países, a industrialização esteve associada com altos ritmos de crescimento. Mas, na transição para uma sociedade pós-industrial, o ritmo de crescimento desacelerou à medida que ocorria uma mudança da indústria para os serviços. A China não é nenhuma exceção. Por isso, a meta de crescimento para o próximo Plano Quinquenal, de 2016 a 2020, terá de ser ajustada em conformidade. Se o objetivo central for duplicar o rendimento per capita numa década, o crescimento terá de exceder os 6% nos próximos cinco anos.

O que é que essa mudança de ritmo vai significar para a economia chinesa?

A China está no meio de uma prolongada aterragem acidentada. Se não houver surpresas, o ritmo de crescimento deverá situar-se no intervalo entre 6,3% e 6,6% no próximo ano. O que isso significa internamente é que a China tem de reequilibrar.

Por outras palavras o que significa internamente essa alteração?

As fontes de crescimento estão a mudar de um modelo baseado no investimento e na exportação líquida para um outro assente no consumo e na inovação no médio prazo. Naturalmente que, no curto prazo, essa transição estará associada a alguma incerteza económica e volatilidade nos mercados.

O Banco Central da China vai ter de intervir mais vezes, cortando as taxas de juro como já fez seis vezes desde novembro?

Isso vai depender das metas até 2020. Se Pequim quer continuar a ter um crescimento no patamar dos 6%, tem de prosseguir com ajustamentos orçamentais, mas isso exigirá neutralizar danos potenciais. Se Pequim puder tolerar um ritmo de crescimento mais baixo, de 5%, as reformas terão de prosseguir mais rapidamente.

Qual será o impacto global?

A economia global terá de se ajustar em conformidade. No passado, a China era a “fábrica do mundo”. Agora, o crescimento do poder de compra suporta mais consumo. Os exportadores para a China e as multinacionais estrangeiras aqui radicadas têm de se ajustar às novas realidades.

O que é que esse ajustamento pode significar no concreto?

Nos dois primeiros escalões de megacidades, o consumo e os serviços vão dominar. Nas províncias relativamente mais pobres e nos escalões inferiores urbanos, a industrialização ainda está a intensificar-se. Isso significa uma abordagem dupla: o investimento direto estrangeiro (IDE) assente em investigação e desenvolvimento poderá intensificar-se nas regiões mais ricas e o IDE baseado na indústria poderá desenvolver-se nas províncias mais pobres.

Como é que o mercado financeiro chinês vai reagir?

Os mercados financeiros chineses são ainda em certa medida insulares. Em janeiro de 2013 previ que a China se estava a mover para um boom nesses mercados. O que se intensificou em finais de 2014 e no início de 2015, quando o índice das ações de tipo A na bolsa de Xangai mais do que duplicou. A correção iniciou-se em junho. Desde então, aquele índice caiu mais de 40%. Mas, com o apoio governamental, esses mercados estão a estabilizar. E, no longo prazo, possuem um enorme potencial.

À escala financeira global qual poderá ser o impacto?

Os mercados financeiros globais vão ficar inquietos com a situação na China, em parte por preocupação, mas por outra parte por ignorância.

Por ignorância?

Sim. Veja bem, as reformas financeiras na China estão a descolar. A convertibilidade do capital é apenas uma questão de tempo. Repare no caso recente [aquando da visita do presidente chinês Xi Jinping ao Reino Unido] – os negócios no valor de 60 mil milhões de dólares entre a China e esse país refletem o potencial de cooperação económica. O próprio mercado da dívida chinês está aberto aos investidores internacionais através de Londres. Quando a moeda chinesa, o renminbi, se tornar uma divisa de reserva internacional, centenas de milhares de milhões de dólares e de euros se deslocarão em direção a ativos denominados na moeda chinesa. Em suma, no curto prazo, os mercados globais sentem-se inquietos sobre os desenvolvimentos na China, mas, no médio prazo, vão lutar para beneficiar dessas mudanças.