TAP

“Pôxa, vamos fazer decolar isso juntos”

Neeleman Empresário americano dono da brasileira Azul. E agora também da TAP, com Humberto Pedrosa

Neeleman Empresário americano dono da brasileira Azul. E agora também da TAP, com Humberto Pedrosa

Sala cheia para assistir à primeira aparição pública marcada pelos novos donos da TAP. Humberto Pedrosa foi o primeiro a falar, mas quem disse quase tudo foi David Neeleman. Numa espécie de português

TEXTO MARGARIDA FIÚZA e PEDRO SANTOS GUERREIRO FOTOS JOSÉ CARLOS CARVALHO

Neeleman espreita para a sala. Está cheia de jornalistas, não há sequer cadeiras para todos, e mal dá para passar por entre os tripés das televisões, que tapam o corredor de passagem. Vão passar ainda uns minutos até que Neeleman entre na sala. Quando dá o primeiro passo, é para trás - para deixar passar Humberto Pedrosa. É o “protocolo” ditado pela maioria do capital do consórcio. David Neeleman entrou depois. O empresário norte-americano e brasileiro falou em segundo lugar, mas tomou as rédeas da apresentação do plano estratégico que o consórcio desenhou para a TAP.

Neeleman estava limitado, por regras comunitárias, a comprar até 49% da companhia — mas juntou-se ao português Humberto Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro, que passou a deter a maioria do consórcio Gateway (50,1%). “Somos sócios mesmo e vamos cumprir com todas as regras”, assegurou o norte-americano. Mas como introduziu Humberto Pedrosa, “o meu sócio David Neeleman é o especialista na matéria” (sector da aviação).

O “especialista” em aviação não é especialista em português, que todavia usou do princípio ao fim, numa apresentação que fala em time em vez de equipa e usa polegadas em vez de centímetros.

Na primeira conferência de imprensa do consórcio Gateway, que esta quarta-feira assinou o contrato para comprar 61% das ações do grupo TAP, David Neeleman, acionista da companhia aérea brasileira Azul, anunciou então que tem 600 milhões de euros para investir na TAP – na capitalização da empresa e na compra de pelo menos 53 novos aviões. Adiantou ainda que o investimento na TAP poderá ascender a 800 milhões de euros e acredita que a companhia possa voltar aos lucros já no próximo ano.

Até lá, o consórcio vai assumir 100% da dívida da TAP (superior a 1000 milhões de euros). “Fui falar com todos os bancos pessoalmente e todos concordam com a privatização”, sublinhou David Neeleman. “Não entraríamos neste jogo se não acreditássemos que podemos gerar bastante 'caixa' para pagar essa dívida”, rematou.

O empresário confirmou que o BNDES, banco estatal brasileiro, está disponível para participar no financiamento – já é parceiro financeiro da Azul -, mas garante que a instituição não terá envolvimento acionista. Para financiar o projeto que tem para a TAP, o consórcio conta também com o apoio de bancos chineses, alemães e ingleses.

Mais eficiência, com as mesmas pessoas

O consórcio assumiu também o compromisso com o Estado de “não reduzir salários nem demitir pessoas” durante um período de três anos. “Não queremos demitir ninguém. Os custos baixam através do crescimento e da eficiência”.

Para tal, Neeleman apresentou a renovação da frota que projetou para a TAP e que prevê novos 14 Airbus A 330-900, para o longo curso, e 39 A320 e A321, de médio curso. A estratégia de renovação da frota não conta com os novos aviões A350 900 que a TAP já encomendara, porque “mais baixo custo por lugar é menor custo de viagem”. O consórcio já propôs à Airbus a troca dos 12 modelos A-350 pelos 14 A-330, que poderão chegar seis meses depois do calendário inicial previsto.

Com a renovação da frota da TAP, Neeleman promete dez novas rotas para os Estados Unidos, contra as duas que detém atualmente.

O consórcio conta ainda lançar entre oito a dez novas rotas para o Brasil, salientando que a TAP recebe 26% dos passageiros provenientes do maior país sul-americano com destino à Europa. Neeleman acrescentou que a ambição da companhia é aumentar essa quota, assim como manter a ligação com África e com todos os países onde se fala a língua portuguesa.

Para a Portugália, que tem uma frota mais envelhecida do que a TAP, não há planos. “Ainda não chegámos a uma decisão”, afirmou o empresário.

Consórcio não receia reversão do negócio

Questionado sobre se aceitaria reduzir a participação na TAP para menos 50%, caso o Partido Socialista venha a vencer as eleições, David Neeleman admitiu a possibilidade de o negócio poder ser travado ou alterado, mas acredita que irá conseguir trabalhar com todos os partidos. “Os políticos vêm e saem. Mas o povo português e a TAP vão ficar”, afirmou. “As pessoas vão ver que é melhor para a Portugal e para a TAP estar privatizada”.

Humberto Pedrosa acrescentou que espera que a TAP esteja “melhor quando o novo Governo tomar posse” e que por isso a privatização não venha a ser questionada. “Seja que Governo for, se tiver a TAP numa situação melhor, um novo Governo achará que a TAP deve continuar nas mãos de privado”, afirmou o presidente do grupo Barraqueiro. Mas é provável que o negócio ainda não esteja fechado nessa altura. A venda só estará concluída depois de as entidades reguladoras e a Comissão Europeia analisarem o processo, o que poderá acontecer apenas no final do ano. E o Partido Socialista, que poderá ser eleito nas legislativas, já mostrou vontade de desencadear todos os mecanismos possíveis para requerer a ilegalidade do contrato.

Para já, o consórcio Gateway pagou um sinal de dois milhões de euros, sendo que os restantes oito milhões de euros que o Estado deverá encaixar com a venda (10 milhões de euros no total) só chegarão aos cofres públicos quando o processo estiver totalmente concluído.

Só nessa altura, aquando da assinatura do contrato final, é que os novos donos da TAP poderão avançar com os primeiros 269 milhões de euros de capitalização da companhia aérea, sendo que os restantes 68 milhões chegarão em parcelas de 17 milhões de euros a cada trimestre, a contar do início de 2016.

O consórcio Gateway quer cotar a empresa em bolsa em 2020, dispersando os 34% da TAP do capital que se mantêm públicos e que a Parpública poderá vender nos próximos dois anos, podendo o Estado sair totalmente do capital da empresa.

O Governo cumpriu assim a intenção de concluir a venda do grupo TAP até ao final do primeiro semestre, depois de a privatização ter sido relançada em meados de novembro. O modelo escolhido, conforme descrito no caderno de encargos, passa pela alienação de 66% do capital do grupo (61% junto de investidores e 5% junto dos trabalhadores), incluindo o negócio deficitário no Brasil, a TAP Manutenção & Engenharia Brasil.

O Governo “fez o que tinha de ser feito”

“O Governo fez o que tinha de ser feito, para bem da TAP e para bem da nossa economia, correspondendo a todas as condições estratégicas e económicas”, disse o ministro da economia durante a cerimónia de assinatura do contrato de venda. António Pires de Lima referia-se à permanência do 'hub' (centro estratégico) da companhia em Portugal, assim como da marca, da base operacional, das obrigações do serviço público e da proteção dos acordos de empresa e dos trabalhadores.

Já a ministra das Finanças frisou que a privatização da TAP "é a única solução" para assegurar a viabilidade da empresa. "Tendo em conta as persistentes dificuldades financeiras da empresa e as restrições legais da União Europeia à recapitalização de uma empresa pública, a privatização é a única solução para assegurar a viabilidade da TAP, da forma como a conhecemos hoje", disse Maria Luís Albuquerque.