Martim Silva

Opinião

Martim Silva

2A-7M-27D. Assim se vê a força de Centeno

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A muito interessante entrevista do ministro das Finanças, Mário Centeno, hoje ao Público, baliza a discussão política e orçamental para os próximos tempos.

Com o país político a ir para férias de Verão, Centeno assume uma posição de força, mesmo numa linguagem suave QB, e não dá mostras de cedência na matéria que se tornou o nó górdio da discussão do OE para 2019: a discussão sobre a contagem integral do tempo de congelamento das carreiras dos professores.

Os professores descontentes querem ver contabilizados nas carreiras os 9 anos, 4 meses e dois dias em que estiveram congelados nas progressões. Mas Centeno, ao fim de 972 dias no cargo, leva um embalo político que não é de desvalorizar. E deixa claro que os dois anos de contagem do tempo, cedência negocial já admitida pelo Governo, são um limite para levar a sério e não se pode ir muito além disso.

Por isso, a entrevista é importante. Pelos recados que deixa, que são mais para dentro (e dentro inclui-se aqui o PS, o próprio Governo e os partidos que apoiam a maioria parlamentar) do que para fora. Pela definição do tabuleiro em que o jogo do Orçamento se faz. E quem define as regras, ou dá mostras de o querer fazer, é Centeno. O ministro traça linhas vermelhas antes de ir estender a toalha na praia e recuperar baterias. Este é o verdadeiro guião para o OE 2019.

Não acredito que em causa possa estar uma crise política motivada pelo chumbo do OE. O que os diferentes partidos têm a perder é muito superior ao que podem ganhar. No Expresso já noticiamos, por exemplo, que Costa já deu garantias a Marcelo de que o documento será aprovado.

Mas a negociação até lá será dura. E o que Centeno nos diz é que o trabalho feito em matéria de consolidação orçamental não pode em caso algum ser deitado fora. A pressão para maior despesa existe e é assumida, sobretudo por se tratar de ano pré-eleitoral, mas os limites estão lá e são para respeitar.

O ministro revela que para o ano já estão previstos 107 milhões de euros para fazer face às progressões nas carreiras dos professores. Quanto ao mais, na contagem para trás desse tempo, Centeno é taxativo:

1. a negociação terá “em conta a compatibilização com os recursos disponíveis” (próxima da narrativa gasparista do ‘não há dinheiro’).

2. Pode haver ambição de quem reclama, mas “quando a ambição vai além das nossas capacidades, muitas vezes falhamos”.

3. E há ainda que olhar para as implicações da contagem pretendida pelos sindicatos, nomeadamente na comparação com outros trabalhadores e carreiras. Se uns têm, porque não hão-de ter os outros?

Finalmente, Centeno usa um argumento político forte. “O Orçamento é para todos os portugueses”. Talvez esta seja a frase-chave do seu discurso. Que é como quem diz, se for caso disso, vira-se o conjunto da sociedade contra aqueles que, na ótica do ministro, reclamam mais do que o que é justo.

Se os sindicatos usam de todo o seu peso e capacidade de influência e pressão para o 9A4M2D, ou seja, para a contabilização integral do tempo em que as carreiras estiveram congeladas, Centeno responde a isso com os 2 anos, 7 meses e 27 dias que leva de lugar. 2A7M27D. Que lhe garantem uma capacidade de decisão e influência dentro do Governo essencial para se perceber até onde o Executivo poderá ceder. Ou melhor, para se perceber onde não vai mesmo ceder.