SÉRIE – Os maiores credores do BES (2/5)

BES e Mota-Engil: os construtores do regime

O universo Mota-Engil cruzava-se com o Espírito Santo, antes do colapso. Incluindo como grande devedor, com uma exposição ao BES que, contando com todas as empresas, ultrapassava 1,5 mil milhões de euros. Com o Novo Banco, essa exposição tem vindo a ser reduzida e várias participações vendidas.

Texto ELSA ARAÚJO RODRIGUES, PEDRO SANTOS GUERREIRO E ABÍLIO FERREIRA INFOGRAFIA OLAVO CRUZ

Era a maior exposição do BES antes do colapso: 760 milhões de euros só na Mota-Engil, valor que duplicava para 1,58 mil milhões de euros incluindo empresas relacionadas (Ascendi, Martifer e Irmãos Martins). Os dados constam do ETRICC 1, Exercício Transversal de Revisão da Imparidade da Carteira de Crédito, que lista dos 50 maiores devedores do BES, que o Expresso tem vindo a revelar desde sábado.

Eram várias e antigas as parcerias entre o Espírito Santo e a Mota-Engil. Os dois eram sócios na Ascendi (60% Mota, 40% BES), que controla uma série de concessões rodoviárias (ver em baixo), bem como nos portos (Tertir). Além das relações de capital, o BES era grande financiador do universo Mota-Engil, não só da Ascendi e da própria Mota, mas também da Martifer e da IM, a “holding” dos irmãos Carlos e Jorge Martins.

Este universo ganhou grande preponderância durante os governos PS, de António Guterres e de José Sócrates, com a vitória em diversas concessões rodoviárias pela Ascendi (BES/Mota) e com o crescimento da Martifer enquanto fornecedora (a Martifer investiu também então nas minas de Aljustrel; os irmãos Martins venderiam depois 60% das minas). Jorge Coelho, que fora ministro de Guterres, seria aliás presidente executivo da Mota-Engil, o que então foi polémico. Mas seria com Coelho que a Mota se internacionalizaria ainda antes da grande quebra das Obras Públicas em Portugal, o que garantiu uma diversificação geográfica de receitas à maior construtora, que assim resistiu à falta de negócio em Portugal e encontrou prosperidade noutras paragens. Jorge Coelho, que foi entretanto substituído na presidência executiva da Mota por Gonçalo Moura Martins, costumava usar o crescimento no estrangeiro como prova de mérito contra as acusações de favorecimento doméstico.

O relatório encomendado pelo Banco de Portugal, que nunca tinha sido divulgado até agora, lista os 50 maiores devedores do BES à data de 31 de dezembro de 2012. Recorde-se que a crise no GES começou no final em 2013, culminando no colapso do BES e do GES no verão de 2014. Paradoxalmente, o “afundanço” do BES teve como um dos principais prejudicados a Mota-Engil, que naquela altura tinha agendada uma operação de dispersão da “holding” Mota-Engil África na bolsa, em Amesterdão. A instabilidade provocada pela derrocada do BES e da PT em bolsa em julho de 2014 levou a empresa de António Mota a adiar a operação, que deveria permitir-lhe um encaixe de 300 milhões de euros. Até hoje.

As contas da Mota no BES

A Mota-Engil controla a Martifer cuja exposição ao BES, segundo o ETRICC 1, era de 184,2 milhões de euros. Por sua vez, a exposição da I.M. SPGS, que controla mais de 40% do capital da Martifer, ao banco de Ricardo Salgado, cifrava-se em 189,3 milhões de euros. Já a exposição da Ascendi ao BES era de 520, 3 milhões de euros (a Ascendi Norte tinha uma exposição de 323, 3 milhões de euros e a Ascendi Douro Interior tinha uma exposição de 197 milhões de euros). Tudo valores de 31 de dezembro de 2012.

Exposição do BES (31/12/2012)

Novo Banco reduz crédito

Os valores que o Banco de Portugal considera como exposição não são, no entanto, iguais ao valor dos empréstimos bancários concedidos: incluem também garantias bancárias, que são tipicamente exigidas em muitas obras. Da exposição de 760 milhões do Grupo Mota-Engil ao BES, apenas 390 milhões seriam dívida reembolsável (incluindo factoring e dívidas de curto prazo). A este valor acresciam linhas de garantias bancárias no valor de 245 milhões.

Este valor tem vindo a ser reduzido com o Novo Banco, tendo a dívida reembolsável sido reduzida para 250 milhões de euros a 31 de dezembro de 2014, data em que as linhas bancárias tinham baixado para 130 milhões de euros.

A redução do crédito concedido pelo Novo Banco a grandes grupos empresariais tem sido um trabalho contínuo. Foi também assim que o Novo Banco iniciou um processo de venda na Ascendi, que já levou a um acordo com o fundo francês Ardian, que vai adquirir participações não na Ascendi mas “em baixo”: será criada uma nova empresa 50%/50% que fica com as posições da Ascendi em cinco autoestradas. Está previsto um “encaixe” de 300 milhões de euros, que serão usados integralmente para reduzir a dívida da Ascendi ao Novo Banco, que era no final de 2014 próxima dos 600 milhões de euros.