PAPEL COMERCIAL GES

Guerra entre os reguladores continua

FOTOS ALBERTO FRIAS

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CMVM avança com proposta de solução para lesados do BES e responsabiliza Novo Banco pelo pagamento. Banco de Portugal rejeita. Reguladores permanecem em campos opostos

TEXTO ISABEL VICENTE e SÓNIA M. LOURENÇO

Quase um ano depois da resolução aplicada ao BES, Banco de Portugal (BdP) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) continuam sem se entender sobre quem deve assumir a responsabilidade de reembolso do papel comercial de entidades do GES (Espírito Santo International e Rioforte) vendido aos balcões do BES. E os clientes continuam sem saber se vão ou não recuperar o dinheiro.

Ontem, Carlos Tavares, presidente da CMVM, apresentou aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República uma solução, que responsabiliza o Novo Banco pelo reembolso dos clientes de retalho. Uma posição que tem vindo a defender desde o início do processo e que agora foi concretizada numa proposta de pagamento.

Esta proposta passa pela troca de papel comercial por dívida subordinada do Novo Banco, uma solução que permitiria “limitar o impacto nas contas do Novo Banco”, defendeu Carlos Tavares.

O Banco de Portugal respondeu no mesmo dia com um rotundo não. Proposta da CMVM “não se afigura viável”. E justifica que apenas seria admissível se dela não resultassem danos patrimoniais para o Novo Banco. O mesmo será dizer que a proposta da CMVM tem implicações para a liquidez e impacto no capital do banco. Um argumento contrário ao utilizado pela CMVM.

FOTO RAFAEL GOMES ANTUNES

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CMVM repisa argumentos...

As diferenças entre CMVM e BdP são conhecidas há muito e não se alteraram.

O banco de Portugal defende que a responsabilidade de pagamento aos clientes lesados é dos emitentes (ESI e Rioforte) e admitia apenas que o Novo Banco pudesse reembolsar aqueles que tivessem documentos comprovando que o BES tinha assumido o risco de pagamento.

Mas, depois de analisar todas as reclamações que recebeu - 800 entre 2000 subscritores - a CMVM concluiu que não é possível pagar casuisticamente a uns, que tenham papeis garantindo que o risco era do BES, em detrimento dos outros. Isto porque, todos os casos enfermam das mesmas práticas comerciais e da mesma forma de abordagem por parte da rede comercial do banco.

Além disso, Carlos Tavares lembrou que BES/Novo Banco e Banco de Portugal criaram uma expectativa nos clientes de que iriam ser pagos, na sequência da criação de uma provisão para o efeito, que em 30 de junho de 2014 atingia 1837 milhões de euros (ainda nas contas do BES), no primeiro balanço do Novo Banco passou para 1420 milhões e a 31 de dezembro de 2014 a provisão encolheu para 455 milhões de euros. O diferencial entre estes valores resulta do facto de o Novo Banco ter anulado as provisões feitas para pagar a estes clientes.

No total, as aplicações de clientes de retalho do BES/Novo Banco em papel comercial da ESI e da Rioforte, subscrito aos balcões do banco até 14 de fevereiro de 2014 (data em que o BdP proibiu a sua comercialização) ascende a cerca de 500 milhões de euros.

Outro argumento da CMVM foi que estes clientes não pediram o reembolso antecipado da dívida das entidades do GES, como poderiam ter feito, porque havia a garantia de que os montantes relativos ao papel comercial estavam provisionados. Aliás, como Novo Banco e BdP sempre referiram até janeiro. deste ano.

FOTO TIAGO MIRANDA

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... E Banco de Portugal também

Na reação à proposta da CMVM, o BdP salientou, em comunicado, que “nos termos da medida de resolução aplicada ao BES, o Novo Banco não tem qualquer responsabilidade própria decorrente da comercialização pelo BES de dívida emitida por empresas do GES”.

Carlos Costa, governador do BdP, tem dito repetidamente nos últimos meses que a responsabilidade é dos emitentes e do BES 'mau'. Ora, Carlos Tavares assegurou aos deputados que “conheço os grandes númeors das contas do BES "mau" e a percentagem de recuperação de qualquer dívida que lá caia é rídicula”. Ou seja, por esta via, será quase impossível os clientes verem algum dinheiro. Por isso, o presidente da CMVM defende “a reposição das provisões destinadas à compensação de clientes de retalho que foram anuladas nas contas de 31 de dezembro de 2014”, por parte do Novo Banco. E, “a sua utilização na compensação dos encargos resultantes desta proposta”. Um cenário que o BdP tem rejeitado liminarmente.

O supervisor bancário nota ainda que uma vez que qualquer solução não pode afetar os níveis de liquidez e capital do Novo Banco, então a proposta da CMVM “não poderia aproximar-se das pretensões e expectativas que têm sido manifestadas pelos investidores afetados nem conduxiria aos resultados que a CMVM pretenderia alcançar quanto à recuperação do capital investido”. Isto porque, o BdP admite que “o valor intrínseco dos títulos de dívida da ESI e da Rioforte possa ser, em geral, muitíssimo reduzido”.