MUSEU DO CHIADO

"O ruído à volta do Museu do Chiado é revelador de espíritos pequenos"

DECISÃO "Só faltava ter museus do Estado a pôr em causa a estabilidade relacional do Estado com as estruturas que este considera relevantes. Isso eu não admito nem admiti", diz Barreto Xavier FOTO TIAGO MIRANDA

DECISÃO "Só faltava ter museus do Estado a pôr em causa a estabilidade relacional do Estado com as estruturas que este considera relevantes. Isso eu não admito nem admiti", diz Barreto Xavier FOTO TIAGO MIRANDA

Barreto Xavier explica "ruído" do Museu do Chiado ao Expresso. O secretário de Estado da Cultura desvaloriza a polémica demissão de David Santos e a disputa da propriedade da Coleção SEC entre Serralves e o museu lisboeta. Para o tutelar da pasta da Cultura o importante é a concretização da ampliação daquele espaço museológico que a partir de hoje é uma realidade

TEXTO ALEXANDRA CARITA

A 5 de fevereiro de 2014, o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier cria um despacho que determina a afetação da chamada Coleção SEC à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) com incorporação da mesma no acervo do Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado (MNAC). A coleção iria preencher a lacuna existente no museu relativa à arte contemporânea portuguesa do século XX e seria a protagonista da exposição inaugural da ampliação da instituição museológica que hoje tem lugar.

FOTO NUNO FOX

FOTO NUNO FOX

Mas a dez dias da abertura ao público do "novo" Museu do Chiado, a 6 de julho, o mesmo Barreto Xavier revoga o despacho de 2014. Em causa um desentendimento entre as direções do MNAC e da Fundação de Serralves, onde as obras da Coleção SEC estão depositadas ao abrigo de protocolos em vigor desde o tempo em que Manuel Maria Carrilho foi ministro da Cultura, os quais se mantêm inalterados.

A polémica rebentou com a demissão de David Santos, diretor do MNAC, que se recusou a retirar das tabelas informativas das obras a referência da tutela das mesmas. Diretiva que lhe tinha sido imposta pela Secretaria de Estado da Cultura. A exposição ficou sem curadores e o seu trabalho de montagem foi concluído por comissários vindos da Fundação de Serralves, entidade que também defende a propriedade das peças, reportando-se a um despacho assinado por Carrilho que assim o determina e ainda se encontra por revogar.

"Muito barulho por nada", diz Barreto Xavier ao Expresso, falando da matéria pela primeira vez. "Não há qualquer falta de estabilidade sobre a propriedade da coleção e de quem a tutela, é a Cultura. O objetivo do despacho que fiz em 2014 era transferir o acervo afeto até então à DG-Artes para a competência da área do Património Museológico. Isto por uma questão de raciocínio sobre quem devia cuidar daquele objeto", avança o SEC.

FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

A Coleção que tinha sido iniciada nos anos 70, foi sendo depositada em maior ou menor número de peças em várias instituições, nomeadamente na Fundação de Serralves e inclui obras de nomes como Paula Rego, Júlio Pomar, Palolo, Lourdes Castro, Vieira da Silva, René Bertholo, Julião Sarmento, Fernando Calhau ou Helena Almeida. "A sua chamada incorporação no Museu do Chiado, diz respeito a quem é que dentro da DGPC deveria cuidar do conjunto plural de obras existentes. E, de facto, considerou-se que a estrutura mais adequada para o efeito era o MNAC, devido à natureza da Coleção SEC e à relação possível entre esse acervo e o do Museu do Chiado", continua Barreto Xavier.

O tutelar da pasta da Cultura vai no entanto mais longe e afirma que "às vezes a espuma dos dias em Portugal parece sobrepor-se às coisas importantes". Barreto Xavier diz não poder "acreditar que isso seja exclusivamente por falta de sensatez" e garante que quer "acreditar que existem outras questões de agenda", aludindo a uma campanha eleitoral já a decorrer.

"Este Governo fez aquilo que há muitas décadas se esperava, que era alargar o Museu do Chiado para uma dimensão que permite finalmente em Portugal ter uma leitura sistemática e coerente da arte nacional da segunda metade do século XIX ao século XX, como está previsto na missão do Museu do Chiado. Isto é uma expectativa e uma ambição do meio cultural de décadas", defende o SEC.

E frisa: "O ruído, e quero dizer que é ruído, colocado à volta da exposição inaugural do novo espaço no âmbito da ampliação do Museu do Chiado, é um ruído revelador de espíritos pequenos. Em vez de se cuidar do mais importante, que é reconhecer, e eu não vejo isso dito, a concretização da ampliação do Museu do Chiado".

Ainda em declarações ao Expresso, Barreto Xavier diz deixar para "aqueles que querem ocupar os dias a discutir as legendas das pinturas colocadas nas paredes" a discussão sobre a forma de referenciar a coleção. Isto apesar de ter sido essa a causa da revogação do despacho de 2014. "Decidi revogar o despacho porque, de acordo com o que a DGPC me reportou, o modo como estava a ser preparada a exposição inaugural era um modo de antagonismo com a Fundação de Serralves. E isso para mim, era absolutamente inaceitável. Relevar um exercício de propriedade é completamente irrelevante para aquilo que é a lógica do sistema museológico nacional. A propriedade é do Estado. E o Estado preza a salvaguarda da relação institucional entre as instituições. Só faltava ter museus do Estado a pôr em causa a estabilidade relacional do Estado com as estruturas que consideramos relevantes. Isso eu não admito nem admiti."

FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

A tutela da Coleção SEC é agora do secretário de Estado da Cultura, está adstrita à DGPC e mantém todos os protocolos de depósito com a Fundação de Serralves. Já as 70 peças chegadas do museu portuense ficarão como previsto 16 meses em exposição no Museu do Chiado no âmbito da exposição "Narrativa de uma Coleção - Arte Portuguesa na Coleção da Secretaria de Estado da Cultura (1960-1990)". E a caminho do MNAC está já nova direção.