Minoria
Os palestinianos de Israel
A criação de Israel tornou-os uma minoria involuntária no território onde sempre viveram. Os israelitas árabes correspondem a um quinto da população, num país que ora reconhece o seu mérito ora os discrimina pela cultura a que pertencem
Texto Margarida Mota Ilustração Ana Simões
No norte de Israel, na cidade de Nazaré — de grande simbolismo para os cristãos —, o movimento à volta da Igreja da Anunciação é uma pequena montra do quão diversificada é a sociedade israelita. Aos domingos, é muito frequente ver-se chegar àquele templo cortejos matrimoniais de cidadãos israelitas árabes cristãos. Confuso para quem aterra em Israel pensando que ali só vivem judeus.
Cerca de 20% da população de Israel é árabe. Ali moravam ou descendem de quem ali vivia quando Israel foi fundado, e optaram por ficar apesar do êxodo de centenas de milhares de árabes aquando da Guerra da Independência. Involuntariamente, tornaram-se uma minoria. “A maior parte dos cidadãos árabes de Israel não celebra o aniversário do Estado, exceção feita à minoria drusa. Alguns até o consideram a ‘Nakba’, o desastre, como o sentem, que atingiu a comunidade árabe palestiniana” após a fundação de Israel, explica ao Expresso Frish Hillel, professor no Departamento de Estudos do Médio Oriente, da Universidade Bar-Ilan, arredores de Telavive. “Muitos árabes são ambivalentes, entre um sentimento de perda e a perceção de viverem muito melhor e num ambiente mais democrático enquanto cidadãos israelitas do que concidadãos seus em países árabes.”
Frish Hillel, um estudioso da comunidade árabe em Israel, diz que israelitas árabes e palestinianos dos territórios (Cisjordânia e Faixa de Gaza) têm uma perceção de Israel “totalmente diferente. A maioria dos israelitas árabes, de forma consistente, em sondagens, abomina tanto a violência dos palestinianos como a reação dos israelitas, e gostaria de ver o conflito resolvido. Nos territórios, perto de metade dos palestinianos ainda estão comprometidos com a destruição de Israel”.
Considerados, frequentemente, como uma “quinta coluna” — por força da sua identidade palestiniana, pelo facto de serem maioritariamente muçulmanos (há também cristãos e drusos) e dados os laços culturais que os ligam aos palestinianos dos territórios e de países árabes, alguns considerados “inimigos” por Israel —, vários israelitas árabes venceram o estigma e ganharam notoriedade e reconhecimento.
Há futebolistas árabes na seleção nacional; Lucy Aharish tornou-se, em 2007, a primeira árabe a apresentar o noticiário em horário nobre numa das principais televisões em língua hebraica; e, em 2009, Mira Awad tornou-se a primeira árabe a representar Israel na Eurovisão. Num dueto com a judia Noa, interpretou “There must be another way” (Tem de haver outro caminho), com algumas estrofes cantadas em árabe — tal como o hebraico, o árabe é língua oficial de Israel. “Os israelitas árabes estão envolvidos em todas as esferas da vida, do futebol às profissões médicas e científicas”, confirma Frish Hillel. “Porém, os símbolos do Estado são judaicos.”
Mas, em matéria de integração, há também o reverso da medalha. Segundo a polícia, os árabes estão envolvidos em 57% dos homicídios, 59% dos casos de fogo posto e 45% dos roubos. E estão especialmente na mira das autoridades de Telavive em questões de terrorismo. “O envolvimento de israelitas árabes em atos terroristas é alto quando comparado com terroristas islâmicos na Europa, mas muito menor do que os palestinianos nos territórios”, constata Frish Hillel. “Apesar de os israelitas árabes representarem 25% dos árabes sob domínio de Israel ou da Autoridade Palestiniana, eles estão envolvidos em menos de 5% dos atos terroristas.”
Contrariamente aos judeus e à minoria drusa, o serviço militar não é obrigatório para os árabes de Israel. Têm direito a votar e estão representados no Knesset (Parlamento, 120 assentos) com 13 deputados da Lista Árabe Unida, uma aliança de quatro partidos árabes que defende a solução de dois Estados e Jerusalém Leste como capital de uma Palestina independente, mas que nunca integrou o governo.
Dezenas de leis discriminatórias
Os “palestinianos de Israel”, como também são chamados, vivem sobretudo em cidades de maioria árabe — Nazaré é a maior de todas —, que estão entre as mais pobres do país, o que contribui para um sentimento de “cidadãos de segunda” partilhado por muitos deles.
Com sede em Haifa, norte de Israel, o Centro Legal para os Direitos da Minoria Árabe em Israel (Adalah) identificou 65 leis israelitas que, direta ou indiretamente, discriminam os cidadãos árabes de Israel e/ou palestinianos residentes nos territórios “com base na sua pertença nacional”. Se o cônjuge de um israelita árabe for um palestiniano residente nos territórios, por exemplo, não consegue obter cidadania israelita ou mesmo estatuto de residência.
Israel justifica os obstáculos à reunião familiar com razões de segurança — que passam também pela necessidade de garantir uma ampla maioria de judeus no país.
“Em tempos, a criação de novas cidades e aldeias era um grande problema em Israel, mas gradualmente o Estado tem vindo a abordar essa necessidade, especialmente em relação aos beduínos, que anteriormente eram nómadas e agora são sedentários”, conclui o professor.
Mas há domínios em que, dada a natureza do Estado de Israel, os árabes não devem esperar por conquistas. “Os árabes sentem-se discriminados na esfera pública: o hino refere-se exclusivamente ao povo judeu, tal como a bandeira de Israel.”