Demografia
Uma bomba prestes a detonar
A tendência demográfica e o impasse no conflito com os palestinianos confrontam Israel com um desafio à sua identidade enquanto Estado. A prazo, sem uma Palestina independente, terá de optar se quer conservar a sua maioria judaica ou ser uma democracia
Texto Margarida Mota Ilustração Ana Simões Infografia Carlos Esteves
“O ventre da mulher árabe é a minha arma mais forte.” A máxima do líder histórico palestiniano, Yasser Arafat, soa como uma maldição em Israel, onde uma “bomba” bate silenciosamente, em contagem decrescente para a explosão — a demografia. Atualmente, entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão — abarcando Israel e os territórios palestinianos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza —, existe praticamente uma paridade entre judeus e árabes.
“Ainda não há uma paridade real, mas está-se a aproximar disso. Há uma pequena maioria de judeus, digamos de 51% contra 49% de árabes”, diz ao Expresso o italiano Sergio DellaPergola, um dos maiores especialistas mundiais em demografia israelita e judaica.
O número de judeus na Terra Santa ronda os 6.900.000 — 400.000 deles vivem em colonatos na Cisjordânia; os árabes são cerca de 6.500.000 — incluindo 1.500.000 com cidadania israelita. Porém, “a população árabe está a crescer mais rapidamente do que a judaica”, alerta este professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Por isso, algures no futuro, num horizonte de 15 a 20 anos, é possível que se chegue a uma paridade real. A tendência é muito clara.”
Esta constatação coloca a demografia no coração do processo de paz israelo-palestiniano. “A questão é fundamentalmente política”, diz Sergio DellaPergola. “Se considerarmos apenas Israel e a Cisjordânia [sem a Faixa de Gaza], que é a situação ‘de facto’ atualmente, a maioria de judeus é de pouco mais de 60%. Se retirarmos da equação a população palestiniana da Cisjordânia, então a maioria de judeus chega quase aos 80%.”
Isto significa que a solução política que daria a Israel uma ampla maioria de judeus no seu Estado é aquela que o Governo de Benjamin Netanyahu (direita nacionalista) mais se tem empenhado em destruir: a de dois Estados para dois povos. Com a contínua expansão dos colonatos judeus na Cisjordânia, a aplicação de um bloqueio por terra, mar e ar à Faixa de Gaza, com as negociações entre as partes estagnadas e o tradicional mediador, Estados Unidos, a tomar parte por Israel — reconhecendo Jerusalém como sua capital —, uma Palestina independente é cada vez mais inviável.
Por essa razão, entre os palestinianos, há cada vez mais vozes a defenderem um Estado único, binacional. Esse cenário coloca Israel num dilema: ser um Estado judeu ou ser uma democracia? “Para ser um Estado judeu, Israel tem de ter uma forte maioria de judeus e, para tal, tem de abdicar de territórios e da população não judaica que aí vive”, explica o especialista. “Se Israel quiser manter os territórios, mas não quiser dar às populações não judaicas direitos cívicos e participação em eleições livres então será um Estado judeu mas não será democrático.”
“Se não acordarmos das ilusões da anexação [da Cisjordânia], perderemos a maioria judaica. É simples”, afirmou, recentemente, a ex-ministra israelita dos Negócios Estrangeiros e atual deputada Tzipi Livni, apologista da fórmula de dois Estados.
Os milagres da imigração
Se hoje Israel tem 8.500.000 habitantes, à época da criação do Estado não ia além dos 850.000. “Em 70 anos, a população cresceu dez vezes”, constata Sergio DellaPergola. “Mais de 3.500.000 deve-se à entrada de imigrantes, um contributo muito significativo para o aumento da população.”
Em 1950, apenas dois anos após a criação do Estado, Israel aprovou a Lei do Retorno que confere a “todos os judeus” o direito de irem para Israel com garantia imediata de cidadania. Fazer a “aliyah” — a viagem para Israel com o intuito de lá ficar — tornou-se, na mente de judeus de todo o mundo, um imperativo moral para alimentar o sonho sionista.
O impacto da imigração no Estado de Israel tem sido crucial para as estatísticas mas também para a qualidade da mão de obra que tem construído o país ao longo de décadas. “A imigração para Israel não foi seletiva, não mobilizou apenas as camadas mais baixas, mas todos os sectores sociais. Foi uma imigração muito motivada por situações negativas que afetaram todos os judeus independentemente do sítio onde viviam e sem distinção entre ricos e pobres, inteligentes e estúpidos”, defende Sergio DellaPergola. “Entre aqueles que foram para Israel, muitos eram peritos em tecnologia, sobretudo vindos da União soviética, e especialistas em muitas outras áreas, o que enriqueceu muito o capital humano de Israel. O país fez um progresso sócio-económico tremendo devido à imigração e à assimilação dos imigrantes.”
Rodeado de países árabes, o desafio de Israel começa dentro de portas, onde um quinto da população é árabe. “A taxa de fertilidade [número de filhos] de judeus e árabes não é muito diferente: os judeus têm em média 3,1 filhos e os árabes à volta de 3,2. Há uma motivação muito grande para se ter filhos, e não apenas junto dos sectores religiosos.”
Mas a maioria de judeus tende a sofrer uma erosão a cada ano que passa. “A população árabe é bastante mais jovem do que a judaica, logo há mais árabes que podem ter filhos. O crescimento anual dos judeus anda à volta de 1,5% a 1,8% e os árabes crescem a um ritmo de 2,5% a 2,8%. A diferença é de um ponto percentual, mas imaginemos que vamos a um banco e depositamos 100 euros a uma taxa de 1,5% ao ano e outros 100 a 2,5%? Ao fim de 10 anos, a diferença é considerável.”
O Expresso pergunta a Sergio DellaPergola se acha que o Governo de Benjamin Netanyahu é sensível às questões demográficas. O professor solta uma gargalhada antes de responder: “Não tenho a certeza. A atitude deles é dizerem que sabem que há um problema e que é importante, mas que há outros mais importantes, como o Irão, a Síria, o Líbano, Gaza. Por isso, dirão: ‘O melhor, por enquanto, é não se falar muito de demografia. Pensemos nisso noutro dia’.”