NIGÉRIA

Onde estão as nossas raparigas?

LEMBRAR CHIBOK Estudantes em Lagos, a capital comercial, marcham pela memória das raparigas raptadas, exigindo que sejam encontradas FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

LEMBRAR CHIBOK Estudantes em Lagos, a capital comercial, marcham pela memória das raparigas raptadas, exigindo que sejam encontradas FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

Um ano depois do rapto de Chibok, o paradeiro de mais de 200 raparigas continua desconhecido. Nigerianos apelam ao novo Presidente recentemente eleito para que não pare as buscas

TEXTO CRISTINA PERES

O rapto de 276 raparigas da escola de Chibok, no nordeste da Nigéria, revelou a ponta do iceberg da atividade do grupo terrorista Boko Haram. Com ele, alcançou um protagonismo planetário decorrente da explosão de notícias que se seguiu. A campanha de Twitter #BringBackOurGirls partiu da Nigéria, deu a volta ao mundo, galvanizou personalidades de todos os quadrantes, envolveu até a família Obama, mas conseguiu poucos resultados, além de tornar conhecida em toda a parte a atividade dos islamitas radicais Boko Haram.

Faz esta terça-feira um ano que um assalto bem planeado fazia desaparecer quase três centenas de jovens de uma escola de Chibok frequentada por jovens alunas em regime de internato. Das 276, nunca mais foram vistas 219. Porém, os números totais são ainda mais assustadores. Só desde o início de 2014, o Boko Haram fez 300 ataques contra civis, e o rapto de mulheres e raparigas soma 2.000.

CAMPANHA Milhões de tweets espalharam a mensagem, tornando o Boko Haram conhecido em todo o mundo FOTO OLIVIA HARRIS / REUTERS

CAMPANHA Milhões de tweets espalharam a mensagem, tornando o Boko Haram conhecido em todo o mundo FOTO OLIVIA HARRIS / REUTERS

Apesar da controvérsia sobre a tradução do significa do nome do grupo, a mais comum (em língua Hausa, da região do nordeste onde o grupo tem a sua base) é “a educação ocidental é pecado”. Isto justifica que o alvo seja o ensino secular e ainda mais a educação das mulheres. Na interpretação radical que o líder Abubakar Shekau e os seus seguidores fazem do Corão, as mulheres servem para “casar” com os seus guerrilheiros, para vender, para cumprir um papel incerto entre mães e escravas sexuais, qualquer coisa menos pessoas cidadãs educadas e equipadas para fazerem parte integrante da sociedade nigeriana.

Seis anos de violência

O rapto das jovens de Chibok foi o culminar de seis anos de carnificina que manchou de sangue o raio de ação dos terroristas. Concentra-se no nordeste do país, na zona de fronteira com o Chade e os Camarões, mas chega a cidades longínquas. Não há qualquer modéstia a impor limites ao alcance dos atos terroristas. Mercados e zonas movimentadas das povoações foram alvos prediletos dos ataques à bomba, aldeias indefesas e remotas e escolas fora dos centros foram presas dos incendiários e raptores.

Um relatório divulgado esta terça-feira pela organização não governamental Amnistia Internacional estima que o Boko Haram conte atualmente com 15 mil guerrilheiros. Também constam dele o número de civis mortos só em mortos desde o início de 2014: 5.500. Quarenta e seis ataques à bomba principalmente na região nordeste, mas não só, mataram 817 civis. Outros 1.500 foram mortos em 2015 em 70 ataques diferentes em aldeias e pequenas cidades do nordeste da Nigéria.

POPULAÇÃO EM PROTESTO “Homens a sério não compram raparigas” FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

POPULAÇÃO EM PROTESTO “Homens a sério não compram raparigas” FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

Um novo Presidente para combater o terrorismo

As eleições legislativas de 28 de março foram as mais renhidas da história da Nigéria. Os dois candidatos estavam praticamente a par na sondagem de intenções de voto, mas os nigerianos deram a vitória inequívoca a Muhammadu Buhari, um ex-general de 72 anos de idade, conhecido no país desde que o liderou com punho de ferro um governo imposto por golpe de Estado, nos idos de 1980. O novo Presidente vai ter de cumprir duas das promessas que lhe deram a vitória eleitoral: combater à corrupção e deter o Boko Haram.

Isto lembra que o Presidente ainda em exercício tarde cedeu perante a dimensão da insurgência a nordeste, ou a repercussão internacional que o assunto alcançou. Quando forçou o adiamento dos escrutínios legislativos de 14 de fevereiro para o final de março, Goodluck Jonathan deu prioridade à formação de uma aliança militar internacional - Nigéria, Chade e Camarões - que interviesse na zona e garantisse a segurança dos eleitores na região, depois de terem sido ameaçados de morte pelo Boko Haram. Contra a expectativa da maioria dos analistas, o sucesso da campanha permitiu a realização das eleições, mas não lhe assegurou novo mandato. Jonathan estava consciente da crescente popularidade do seu principal rival - Buhari . e calculou que as seis semanas de adiamento do escrutínio serviriam para ganhar tempo e desgastar Buhari, dando-lhe espaço para cometer erros. Tal não aconteceu.

Um mandato para ordenar o país

Ainda por cima, o Congresso de todos os Progressistas (ACP em inglês), coligação formada em 2013 que apoiou Buhari na corrida à presidência, acaba de obter uma vitória inédita na Nigéria ao vencer as eleições regionais em Lagos. É a primeira vez desde 1999 (início dos governos civis que pôs o PDP, Partido Democrático Popular, no poder até agora) que a capital comercial do país é governada pelo mesmo partido da capital administrativa, Abuja.

Quando tomar posse em 29 de maio, Buhari tem todas as estruturas de governação a seu favor. Além disso, é de esperar que o ex-general vá contar com um apoio mais alargado por parte dos generais, sobre os quais tem uma influência mais consistente do que a de Jonathan. Pressupõe-se, por tudo isto, que Buhari vá tentar capitalizar a sua vitória com uma posição de força relativamente às duas grandes manifestações de desordem que minam o país: corrupção e terrorismo.

CHORAR OS AUSENTES Hauwa Nkaki, mãe de uma das jovens raptadas em Chibok, numa cerimónia pública de evocação em junho de 2014 FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

CHORAR OS AUSENTES Hauwa Nkaki, mãe de uma das jovens raptadas em Chibok, numa cerimónia pública de evocação em junho de 2014 FOTO AKINTUNDE AKINLEYE / REUTERS

Entretanto, como aconteceu recentemente no Quénia, a população organiza-se em marchas silenciosas. As famílias esperam melhores notícias dos familiares desaparecidos, esperam poder contar com a eficácia das forças de segurança, esperam poder viver em paz e voltar a ocupar as aldeias nos três estados mais afetados por assaltos violentos, onde foi declarado o estado de emergência em 2013, Borno, Yobe e Adamawa.

Nesta segunda-feira, uma multidão juntou-se nas ruas de Abuja exigindo que o Governo não pare de procurar as raparigas raptadas há um ano. “Segurança, segurança, segurança” resume a prioridade de quantos foram obrigados a abandonar as suas casas e terras para escaparem à devastação de terror do Boko Haram.