ECONOMIA PORTUGUESA
FMI não acredita em controlo das contas públicas
ALERTA O FMI prevê que Governo português não conseguirá cumprir as metas do défice FOTO LUÍS BARRA
Fundo aponta para défices de 3,2% este ano e 2,8% em 2016 e espera que situação estrutural das contas se agrave. Isto num contexto de aceleração da economia e alguma melhoria, muito lenta, do desemprego
TEXTO JOÃO SILVESTRE e JORGE NASCIMENTO RODRIGUES
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não acredita que Portugal consiga ter um défice abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano e espera que só em 2016 possa ficar finalmente abaixo do limite de Maastricht. Nas estimativas do World Economic Outlook (WEO) publicadas hoje em Washington, onde decorrem as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial, a instituição aponta para défices de 3,2% do PIB este ano e 2,8% em 2016.
Valores que saem claramente fora dos objetivos do governo que, no Orçamento do Estado para 2015, estipulou uma meta de 2,7%. Não é a primeira vez que o FMI avisa que a meta de défice está em risco – já o tinha feito antes e até recentemente – e não está sequer sozinho no alerta, já que a OCDE e a Comissão Europeia fizeram alertas semelhantes.
As estimativas do Fundo apontam para que apenas em 2016 Portugal baixe a fasquia dos 3% e possa sair do Procedimento por Défice Excessivo, falhando aquele que é um objetivo político prioritário este ano se nada for feito. Claro que, tendo em conta a importância de baixar a fasquia dos 3%, o governo poderá sempre usar medidas de última hora para assegurar que o défice não ultrapassa esse limite. Duas décimas que correspondem a cerca de 350 milhões de euros.
O sinal mais preocupante para a política orçamental portuguesa vindo do WEO é a evolução esperada para o défice estrutural, ou seja, o défice corrigido do ciclo económico. Segundo as estimativas do FMI, deverá ser 1,8% do PIB este ano e agravar-se para 1,9% em 2016, interrompendo a consolidação orçamental conseguida nos últimos anos. Isto significa que as perspetivas do Fundo é que Portugal perca o gás no controlo das contas públicas e que a melhoria esperada para o défice – de 3,2% este ano para 2,8% em 2016 – resulta apenas do crescimento da economia e nem sequer todos os ganhos da atividade económica são aproveitados.
Economia cresce mais, desemprego desce menos
As novas previsões do FMI são mais otimistas relativamente ao andamento da economia nestes dois anos: 1,5% de crescimento do PIB em 2015 e 1,6% em 2016. Trata-se de valores superiores aos avançados em janeiro, no relatório da primeira visita pós-programa, quando as estimativas apontavam para 1,2% e 1,3%. No entanto, este cenário de maior ritmo de crescimento económico mas que não se traduz numa descida mais rápida do desemprego.
Antes, no relatório de janeiro, apontava para 12,7% e 12,2%. Agora, estima valores de 13,1% e 12,6%. Este aparente paradoxo tem a ver com alguns alertas que o Fundo já vinha fazendo e que têm a ver com o facto de ter havido criação de emprego através de apoios do Estado – estágios, nomeadamente – que permitiram a taxa de desemprego cair mais do que o andamento da economia justificaria. Agora, esse efeito está a desaparecer e a descida do desemprego é mais lenta.
Em termos de evolução dos preços, o FMI espera uma aceleração da inflação de 0,6% este ano para 1,3% em 2016, ao mesmo tempo que as contas externas deverão apresentar excedentes de 1,4% e 1% do PIB.
A revisão em alta das previsões de crescimento acontece também para o conjunto das economias da zona euro que, espera o FMI, deve crescer 1,5% e 1,6% nestes dois anos – valores idênticos aos portugueses – e que representam uma melhoria de 0,3 e 0,2 pontos, respetivamente, face às anteriores projeções.
O país mais lento da zona euro este ano é Chipre (0,2%), seguido de Itália (0,5%) e Finlândia (0,8%). Já a Alemanha e França, as duas maiores economias da moeda única, deverão crescer, respetivamente, 1,6% e 1,2%.
Deflação e recessão na zona euro menos provável
O FMI considera que a probabilidade de recessão na zona euro até final deste ano é agora menor do que o estimado em outubro do ano passado, quando foi publicado o WEO de outono de 2014. Mantém-se, ainda assim, acima de 20% e é a mais elevada nas economias desenvolvidas. A probabilidade da zona euro ficar refém da deflação também desceu. Segundo a simulação do FMI, a probabilidade entre o 3º trimestre de 2015 e o 2º trimestre de 2016 mantém-se elevada, próxima de 30%, mas desceu em relação à previsão de outubro passado (ver gráficos).
Os EUA afirmam-se como a grande economia desenvolvida que consegue manter um ritmo de crescimento no patamar dos 3% em 2015 e 2016. Depois de um período recessivo em 2008 e 2009, o crescimento norte-americano ultrapassou desde 2012 o registado em 2007.
Nos BRIC, a China desce do patamar de crescimento de 7%, com previsões de 6,8% e 6,3% para este ano e o próximo, inferiores às oficiais de Pequim, e a Índia destaca-se como a grande economia emergente com taxas de crescimento de 7,5%, um ritmo superior inclusive a 7,2% registada no ano passado. Os mais negativos são a Rússia, com crescimentos negativos de 3,8% e 1,1% nestes dois anos, e o Brasil que este ano deverá enfrentar uma recessão de 1%.
O crescimento mundial anual não vai sair do patamar dos 3% em 2015 e 2016. As previsões do FMI apontam para 3,5% em 2015 e 3,8% em 2016, umas décimas a mais do que o crescimento de 3,4% registado em 2014. O patamar dos 3% tem-se verificado desde 2011, depois de um crescimento de 5,4% em 2010, próximo do registado em 2007 antes do rebentar da crise financeira global.
A retoma de 2010 acabou por ser um momento extraordinário em virtude da estagnação verificada em 2009 à escala mundial, fruto de recessões importantes nas grandes economias desenvolvidas. Níveis de crescimento mundial na ordem dos 5% não surgem ainda nas perspetivas do FMI, nem mesmo para 2019, em que a previsão é de 4%.
A par desta retoma modesta, há três factos marcantes, segundo o WEO: os EUA destacam-se como 'locomotiva' de crescimento no mundo desenvolvido, a zona euro continua a ser o 'pior aluno' em termos de região, e a Índia ultrapassa a China em dinâmica de crescimento.
Riscos a não esquecer
Mas mesmo as previsões realizadas estão sujeitas a alguns riscos. No curto prazo, há uma enorme incerteza sobre a evolução do preço do barril de petróleo, ainda que as previsões do FMI apontem para um preço médio anual de 58,14 dólares em 2015, de 65,65 dólares em 2016 e 73 dólares em 2019. Valores médios (das três variedades principais, Brent, Dubai e WTI norte-americana) muito abaixo da média anual de 96,2 dólares em 2014.
Pelo que este ciclo de preços baixos do crude continuará a influenciar a inflação mundial. No caso das economias desenvolvidas, a inflação prevista para 2015 é de apenas 0,4% e para 2016 sobe para 1,4%, mesmo acima claramente abaixo da meta de política monetária dos principais bancos centrais das economias desenvolvidas (próximo ou 2%). Um contexto de baixa inflação e de fraco crescimento é particularmente preocupante para a zona euro, e dentro dela para as economias com um nível elevado de endividamento em relação ao PIB, como é o caso do grupo dos periféricos.
O FMI chama ainda a atenção para três áreas no curto prazo: as tensões geopolíticas marcam o ritmo em determinadas regiões (como o leste da Europa, Médio Oriente e partes de África), o stresse financeiro pode regressar à zona euro em função do desenrolar da situação da Grécia e do emergir de turbulência política, e podem ocorrer mudanças disruptivas nos preços dos ativos nos mercados financeiros.