MUNDIAL
\n\n“Torço pela Alemanha. Tem jogadores, treinadores e uma organização de grande nível”
\n\n\r\n\r\n\r\nPara fazer as fotos e dar a entrevista ao Expresso escolheu o seu recanto preferido do país, a tradicional praia da Aguda, em Gaia, o seu refúgio para fugir à pressão e onde muitas vezes desenhou em guardanapos de papel os exercícios e táticas que lhe valeram a conquista de dois campeonatos pelos Dragões. Hoje leia no Diário as expectativas sobre a final do Mundial e a análise à prestação portuguesa. Sábado, no semanário, pode ler o resto da entrevista, centrada na sua passagem pelo FC Porto
\n\nTEXTO ISABEL PAULO
\n\nApós uma época a treinar a equipa saudita do Al Ahli, Vítor Pereira trocou temporariamente os relvados pelo papel de comentador desportivo no programa ‘Grande Área’ da RTP. Tímido, muito reservado, reconhece que comunicar nunca foi o seu forte, o que não o inibe de dizer, sem grandes rodeios, o que pensa, por vezes até de forma desassombrada. «Nunca soube vender o meu peixe», afirmou em entrevista ao Expresso, um dia depois do descalabro do Brasil, seleção que Scolari transformou num «balão de emoção» que rebentou ao primeiro golo da Alemanha. Sem Portugal em palco, o bicampeão nacional pelo FC Porto vai torcer, domingo, pela Alemanha. Por várias razões, entre as quais porque a vitória de Joachim Low é a que mais defende os treinadores.
\n\nNo descalabro da seleção brasileira até que ponto pesou o fator sorte e azar?
\n\nA sorte dá muito trabalho e o não foi o azar que pesou no terramoto. Mesmo antes do jogo, imaginei sempre que o Brasil estivesse mais perto de perder do que de ganhar, mas nunca pensei ver aquele descalabro tático, técnico e emocional. O Brasil foi desde o primeiro jogo um balão emocional. Scolari apostou fundamentalmente no sentimento patriótico para ganhar o Mundial, o que não chega para vencer a muitas equipas. Contra uma equipa como a Alemanha, evoluída e bem trabalhada do ponto de vista tático e estratégico, ao primeiro golo o balão rebentou e o que sobrou foi uma equipa esfrangalhada. O que se viu depois, foram jogadores a tentar perceber como se iam safar, como iam sobreviver ao caos. Quem aposta tudo na estratégia emocional, sem preparar as equipas para as adversidades, tem problemas.
\n\n\r\n\r\n\r\nQual é a sua equipa favorita na final?
\n\nA Alemanha. Será a vitória da seleção melhor preparada e de uma ideia coletiva do jogo. Vencerá um treinador. Nota-se que há uma identidade na seleção alemã, tem trabalho embutido. No mundial ou no campeonato, se vencessem equipas sem dedo do treinador era um perigo. Os presidentes ainda pensam que são capazes de ganhar sem treinadores. A Alemanha tem jogadores, treinadores e uma organização de grande nível.
\n\nMas torceria pela Alemanha se Portugal ainda estivesse em jogo?
\n\nIsso não. Até porque para além da questão do orgulho nacional, foi mau para os treinadores portugueses que seleção tenha sido afastada sem prestígio e tão cedo. O que vai acontecer nos tempos mais próximos é que entre escolher um treinador alemão e um português, quem manda e investe nos clubes vai preferir ir buscar um técnico da ‘Bundesliga’ do meio da tabela ou daí para baixo, a escolherem-me a mim. E porquê? Porque eles sabem liderar e nós não soubemos valorizar-nos num palco mundial.
\n\nA seleção nacional está num beco sem saída?
\n\nA minha previsão, antes do Mundial e pelo que fizemos no Euro 2012, era que chegaria ao Brasil com um grau de maturidade coletiva que nos permitiria saber o que se queria. Até podíamos ter perdido com a Alemanha logo no primeiro jogo mas com outro tipo de comportamento, de jogo. O que se viu foi que perdemos de tal forma o controlo do jogo do ponto de vista técnico, tático, estratégico e até emocional que nos trouxe consequências terríveis para os jogos seguintes. Nunca mais nos entrámos. Ficamos de tal forma agarrados ao que se fez contra a Alemanha que nunca mais recuperámos. Eu já vi esta equipa, com os mesmos jogadores, a jogar com qualidade.
\n\nO que falhou, então?
\n\nNeste Mundial, sinceramente, fez-se tudo a meio gás. Fomos sempre uma equipa a meio gás, com a bola, sem bola, a pressionar. O que ficou foi um amargo de boca, até porque ficámos num grupo que nos permitia passar à fase seguinte.
\n\nÉ uma seleção em fim de ciclo?
\n\nRespeito os meus colegas de profissão, por isso deixo que o Paulo saiba tirar as suas ilações. Já trabalha há muito com este grupo e por isso irá sem dúvida refletir no que fazer.
\n\nHá demasiada dependência de Ronaldo?
\n\nHá. Mas temos alternativas?
\n\nTeríamos com uma maior aposta na formação por parte dos clubes...
\n\nOs clubes, em particular os grandes, vivem todos os ano com a pressão de serem campeões nacionais. Apostar na formação demora tempo, custa dinheiro e sem garantias de retorno. Preferem ir buscar um jogador talentoso quase feito, como o foi caso de James Rodríguez e tantos outros, e dois ou três anos depois transferi-los por valores muito superiores. Mesmo que os dirigentes queiram ir por outro caminho, é neste tipo de negócios que os fundos investem. Os fundos de investimento não pagam para apostar na formação. Claro que depois não é fácil renovar a seleção...
\n\nGostaria de treinar a seleção?
\n\nNeste momento, ou melhor, quando tiver formalizado a rescisão com o Al Ahli, que julgo estará para breve, sinceramente o que quero é treinar todos os dias. Faz-me falta trabalhar e estar todos os dias com os jogadores em campo. As seleções não funcionam assim, mas por períodos, logo é muito cedo para um projeto desses. Mas claro que não digo que um dia não gostaria.
\n\nGostou da experiência de comentador?
\n\nComunicar não é o meu forte, nunca soube vender bem o meu peixe. Sou muito reservado, mas até por isso foi importante. Encontrei pessoas que me disseram: «Não o conhecíamos, mas agora percebemos porque foi bicampeão».
\n\nFoi essa falta de jeito que deu origem às suas tumultuosas conferências de Imprensa na Arábia Saudita? Teve consciência do impacto mediático nas redes socais?
\n\nNão tive. Não ligo a isso. Não tenho Facebook, apesar de aparecerem 30 contas com o meu nome, nunca fui ao Facebook na vida. Por isso, desenganem-se as pessoas que pensam que falam comigo. Não sou de redes socais. Soube da divulgação por amigos que ligaram a avisar-me que eu nem imaginava o impacto de uma ou duas conferências de Imprensa...
\n\nDeu para perceber que perdeu a paciência...
\n\nSou muito reativo, emocional, o que tenho de dizer digo. Não admito que me faltem ao respeito. Acreditem que só quis ser digno. Senti-me atingido na minha dignidade quando quiseram interferir no que tinha a dizer aos jornalistas. Isso não admito a ninguém. Nem aqui, nem na China, nem na Arábia saudita. O episódio podia ter tido outro tipo de consequências, mas eu nem pensei nisso na altura.
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