Antes pelo contrário

Daniel Oliveira

Matar a credibilidade dos jornais para salvar a dos bancos?

Ontem, o Ricardo Costa manifestou aqui o seu incómodo por haver quem responsabilize os jornalistas, e em particular o "Expresso", por supostamente terem aberto a caixa de Pandora que está a criar muita agitação nos mercados em torno do BES. Haverá sempre quem culpe o mensageiro e quem ache que a verdade é inconveniente. Pois eu tenho a preocupação exatamente oposta. Acho que tem havido algum excesso de cautelas. Passo a explicar.

A função do jornalista e do comentador não é dizer tudo o que lhe vem à cabeça. Não é sequer dar notícias sem pensar nas suas consequências. Os jornalistas têm responsabilidades sociais e elas ultrapassam a mera publicitação da verdade. Mandam as regras, só para pegar em exemplos mais evidentes, que se seja comedido na exibição de imagens de incêndios e, em princípio, não se noticiem suicídios. Nos dois casos, evita-se o efeito de imitação. Infelizmente, o primeiro conselho tem sido, nos últimos verões, totalmente ignorado sem que isso preocupe grandemente alguém. Este tipo de cautelas são extensíveis a outros casos. A especulação sobre a situação de qualquer banco, pelo pânico sem fundamento que pode causar e as consequências que isso teria para toda a economia, é evidentemente um deles. Ou seja, o jornalismo, como qualquer outra atividade, não se rege por um único objetivo. Que bom seria que os próprios banqueiros percebessem isto e o lucro deixasse de ser o seu único limite. Todos temos funções sociais nos nossos trabalhos.

Mas uma coisa é ter cautela, outra, bem diferente, é passar a ser um elemento ativo na proteção da credibilidade de um banco que esteja sob suspeitas. Ou participar num processo de encobrimento ou até de branqueamento de qualquer instituição financeira. Ou mesmo enfatizar para lá do que seja justo ou verdadeiro esta ou aquela informação que se considere positiva - seja o papel da regulação, seja a qualidade de um novo gestor, seja o isolamento do banco em relação aos problemas do grupo em que está inserido. Nem quando está em causa o interesse geral os jornalistas são relações públicas de instituições privadas. Ser cauteloso, não dizer tudo o que se pensa e sabe, não destruir tudo à volta só para se mostrar que se está informado, não é o mesmo que mudar de campo e passar a encobrir em vez de informar. No dia em que um jornalista começa a assumir esta posição perdeu todo o seu valor profissional. Por mais nobres que sejam os seus objetivos.

Tal como as instituições financeiras, os jornais vivem quase exclusivamente da sua credibilidade. Se, para defender a credibilidade de um banco, destroem a sua, não me parece que a sociedade no seu conjunto fique a ganhar. Não acho que os bancos façam mais falta do que uma imprensa livre e de qualidade. Mas é mais do que isto: no dia em que as pessoas percebam que os jornais não as informam convenientemente para as manterem calmas deixam de acreditar no que leem nos jornais. E quando isso acontecer uma boca no facebook passará a valer o mesmo (ou até mais) do que uma notícia num jornal. Quero saber então quem vai travar ondas de pânico infundadas.