Martim Silva

Opinião

Martim Silva

Marcelo, a Madonna cá do bairro (que às vezes fala demais)

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Até o mais atento dos cidadãos sente dificuldade em acompanhar a voragem mediática do Presidente Marcelo nos últimos dias. Da viagem de carro, sem motorista, para o centro do país, dos banhos fluviais à entrada por telefone nos diretos televisivos a propósito dos incêndios que fustigam Monchique e outras zonas de Portugal, Marcelo esteve em todas.

O comportamento do Presidente da República tem sido exemplar. Do ponto de vista político, com marcação cerrada aos temas mais polémicos e não se eximindo de vetar diplomas ou apontar caminhos que entende serem os mais corretos. Independente, direto, decisivo. Seja a pedir responsabilização em temas como o roubo de material militar de Tancos seja a alertar para os incêndios florestais. Ainda por estes dias, deu sinais e avisos importantes em relação à reforma da descentralização, por exemplo.

Marcelo dessacralizou a função presidencial e indiscutivelmente aproximou o cargo, e a política, dos cidadãos. O exemplo mais simples mas provavelmente mais significativo é como se tornou uma 'popstar' com toda a gente a querer tirar uma selfie com ele.

A popularidade de um político não é tudo, mas a forma empática como tem exercido o seu mandato é um bom barómetro para podermos facilmente considerar que Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um bom Presidente da República.

Por exemplo, o Presidente querer passar dias de férias em locais fortemente afetados pelos incêndios do ano passado é uma excelente promoção turística para as regiões. Vale por dez campanhas instituicionais. Marcelo funciona cá para dentro como a capa de Madonna na Vogue italiana funciona lá para fora. Mas, francamente, era preciso aparecer tantas e tantas vezes numa postura nada presidenciável? Não será já um pouco de informalismo em excesso? (vá, chamem-me bota de elástico).

De tanto falar, de tantas vezes falar, de tanto falar sobre tudo e sobre nada, por vezes surgem erros e precipitações. Foi o caso, parece-me, das declarações do Presidente no fim de semana a propósito da situação no PSD.

Outro exemplo? De tanto falar, de tantas vezes falar, de tanto falar sobre tudo e sobre nada, por vezes surgem erros.

Foi o caso, parece-me, das declarações do Presidente no fim de semana a propósito da situação no PSD.

Relembre-se, este foi o fim de semana em que Santana Lopes divulgou uma carta dirigida aos militantes do partido a despedir-se. E foi o fim de semana em que Pedro Duarte, antigo líder da JSD, antigo secretário de Estado e antigo diretor de campanha presidencial de Marcelo, anunciou em entrevista ao Expresso que é candidato a líder do partido. Uma entrevista em que criticou duramente a liderança de Rui Rio e em que disse que é necessário uma mudança de rumo e estratégia do partido, e que essa guinada deve acontecer já (ao contrário do que defende Luís Montenegro, que quer deixar o líder a cozer em lume brando até às legislativas).

Marcelo foi líder do PSD. É um seu militante histórico. E é Presidente da República. As suas declarações sobre o partido a que sempre pertenceu devem por isso obedecer a um cuidado e prudência adicionais (lembremo-nos dos abalos que Mário Soares provocava a partir de Belém no PS então dirigido por Guterres, Sampaio ou Constâncio).

Pois foi exatamente o contrário disto que o Presidente fez este fim de semana. Vir comentar os últimos desenvolvimentos da luta interna no PSD, dizendo que "o que me preocupa é que a oposição não se fragmente" é desnecessário. Enfraquece ainda mais o líder da oposição, que já está numa posição delicada. Assim, Marcelo, de uma forma mais ou menos criptada, está a meter-se na vida de um partido, coisa de todo em todo desnecessária.

Não por acaso, Seixas da Costa, embaixador e normalmente uma opinião avisada e atenta, já deixou nas redes sociais um reparo à forma como o cidadão Marcelo não cuida da imagem do Presidente Marcelo. "O Presidente da República é uma instituição, a quem todos os portugueses devem respeito. Entre quantos devem guardar respeito a essa figura conta-se também o cidadão e professor Marcelo Rebelo de Sousa. Ponto."

Uma coisa é o à vontade do Presidente. Mas o à vontadinha já parece demais.