“Só queremos que o rio de sangue à nossa frente pare de correr”

Um bebé com fome, os pais destroçados, a destruição, a morte. Hamza Al-Ajweh tem 23 anos e é fotógrafo. Nasceu em Douma, na região de Ghouta Oriental. Como tantos outros, vive num abrigo subterrâneo. Quando é seguro – se é que alguma há segurança - vai fotografar, para depois vender e poder comprar comida. Escolhemos cinco fotos de Hamza e ele contou-nos um pouco da história de cada uma delas, do pouco que se lembra. A conversa foi várias vezes interrompida: “as coisas estão a ficar cada vez mais difíceis, os bombardeamentos não páram”

Texto Marta Gonçalves Fotos Hamza Al-Ajweh

O menino sem nome

“Esqueci-me do nome dele. Vou tentar lembrar-me.” Hamza já perdeu a conta ao número de crianças que fotografou. Recorda-se de cada uma delas mas as histórias vão-se dissipando da memória. Esta fotografia, conta, foi tirada na cidade de Douma (na região de Ghouta Oriental), na casa de uma família muito pobre.

O menino sem nome estava ali sentado no colchão, mal-nutrido, com fome devido ao “cerco imposto pelo regime em toda a área de Ghouta”. “Estou a tentar mostrar o sofrimento ao mundo. Todos devem saber a injustiça que está aqui a acontecer. Há muitas mais crianças como esta.”

O momento foi captado a 1 de novembro de 2017. Onde está esta criança agora? “Não sei.”

Amir

“Sabe quem são estas pessoas?” A resposta é imediata: “não.” Hamza não nos conta mais nada. Não é claro se é porque as mensagens não lhe chegam ou simplesmente porque não quer falar no assunto. “Estes pais estão a chorar sobre o corpo do filho?” A resposta é curta: “sim.”

A fotografia é de 8 de janeiro de 2018 e, segundo a descrição da agência de comunicação a que Hamza vendeu a fotografia, o bebé no colo é Amir, que foi ferido durante um ataque em Saqba (no sul do país) e, depois, levado para Douma, onde acabou por morrer.

“Só quero que a guerra pare”

Hamza não tem muito tempo para fotografar. A imagem com pouco mais de uma semana é “apenas de um homem”. “Não sei quem é. É apenas uma pessoa a caminhar nas ruas destruídas de Douma”. A maioria das pessoas na cidade perdeu as casas, restam as ruínas. “Está tudo completamente destruído, já ninguém tem um lar. Tudo isto que está a acontecer deixa-me completamente triste”.

Esta quinta-feira de manhã, ainda antes de sair para fotografar, Hamza mandou-nos uma mensagem: “Só queremos que a guerra acabe. Só queremos que o rio de sangue à nossa frente pare de correr”. Não é só uma mensagem, é um apelo.

“Ele ainda está vivo”

Ouviu-se um barulho muito forte naquela quarta-feira de fevereiro, tal como se ouve quase todos os dias, mais do que uma vez. Um novo míssil explodiu. “Esta imagem é imediatamente a seguir à explosão”. Hamza recorda que estava muito próximo do local onde tudo aconteceu - “quando ouvi aquele som senti tanto medo”. Depois, pegou na máquina e correu. A sair das ruínas encontrou um homem que carregava no colo uma criança.

“Sim, esta criança ainda está viva.”

Silêncio

Quando as imagens mostram crianças, Hamza não entra em grandes explicações. Os rostos dos meninos e meninas imortalizados já dizem tudo. “Fiz esta fotografia num hospital.” Não sabe se o local ainda existe ou se foi destruído. “Sei apenas que era várias vezes bombardeado.”

Perguntámos a Hamza o que faria se tivesse possibilidade de fugir daquele lugar. “Não quero deixar a Síria, mas se cá ficar sei que vou morrer.”

“Ele ficou ferido, o filho dele perdeu o olho”

O homem com o rosto coberto de pó acabara de ser resgatado dos destroços de mais um edifício destruído pelos ataques aéreos quando Hamza o fotografou. “Ele ficou ferido, o filho dele perdeu o olho”.

O homem ferido e coberto de pó é familiar de Hamza “Não sei muita coisa sobre ele, a minha mãe é que sabe. Se quiser posso perguntar.” Hamza não conseguiu voltar a falar connosco.