Pedro Santos Guerreiro
Querer sempre, querer agora
O que quer ser agora? O primeiro instinto da esperança não é perguntar o que queremos ser daqui a 10, 20 ou 45 anos, mas responder o que queremos ser agora, viver já a escolha sempre adiável. Praticar o otimismo não é esperar pela nuvem boa, é acreditar na luz do instante que decidimos viver. Não ser o criado do tempo, ser a criatura, ser a criação. Porque há um começo, se quisermos, nessa pergunta indómita: o que quer ser agora?
É sempre agora que iniciamos o futuro, agora você está a ler este texto e daqui a pouco já poderá usar este jornal para embrulhar peixe, como escrevia Manuel António Pina sobre a abnegação humilde de quem escreve em páginas de papel como esta. Talvez um dia os telemóveis sirvam para os androides de Philip K. Dick embrulharem peixes elétricos, mas nas horas seguintes e nos dias seguintes e nas semanas seguintes haverá sempre notícias para ler e jornalismo para apurar a verdade e depurar a realidade. Como há agora. E agora nós queremos ser não apenas o jornal que lê mas permanecer como parte da sua vida, enquanto lugar de entendimento e de conhecimento, enquanto parte da sua escolha de otimismo.

A vida contemporânea acorda todos os dias de manhã com pressa de não chegar tarde, entupindo as veias de aceleração granulosa e abrindo tantas pistas no caminho que, tentando estar em todas, podemos não estar em nenhuma. O luxo é parar. Mas não é luxo, é uma opção. É uma escolha. A escolha de parar para pensar, para fruir, para decidir. A escolha é sempre nossa. Agora, para a vida.
É muito mais o que nas nossas vidas depende de nós do que tantas vezes nos concedemos. Depende a atitude, a decisão, o risco de falhar, depende a esperança. Depende a perspetiva e a capacidade de mudá-la se não funcionar. Depende a definição de prioridades, a capacidade de trocar o microscópio que amplia desproporcionalmente as dificuldades pela máquina fotográfica que foca na mesura correta o que enfrentamos. Depende a opção pela felicidade e a persistência que ela requer. Depende o saber filtrar o tóxico, o acessório, a espuma dos dias, o saber separar a rotina boa do repetitivo mau, escolher a parte da vida que quer repetir para sempre, começando por saber reconhecer qual é essa parte boa. Depende o não naufragar nas escolas de cinismo, temer a palavra ódio, não temer a palavra amor, abraçar o conhecimento, praticar a exigência, a exigência connosco, a exigência com os outros, a exigência por uma sociedade livre e justa. Depende o não viver em piloto automático riscando dias no calendário, depende o pensar pela nossa própria cabeça, pela sua própria cabeça. A vida que vivemos é como os livros que lemos, parece sempre diversa e difusa mas está tudo nos clássicos.
Praticar o otimismo não é esperar pela nuvem boa, é acreditar na luz do instante que decidimos viver. Não ser o criado do tempo, ser a criatura, ser a criação
“Somos hóspedes do instante, cada um de nós”, afirmava Eduardo Lourenço há um ano num podcast do Expresso, “mas sempre com o sentimento de que cada instante não é diferente do que chamamos de eternidade, a eternidade como uma coleção de instantes. O tempo é feito desses instantes, de nada e de tudo ao mesmo tempo.” Nem de propósito, o podcast chama-se “A Beleza das Pequenas Coisas”.
A beleza das grandes coisas é a beleza das grandes vidas, e todos podemos merecer uma. Quem lê estas linhas, como quem as escreve. Como o Expresso, feito todos os dias pelos jornalistas desta redação, que fazem esta marca de jornalismo ser maior do que qualquer um deles. Quantas coisas temos para sempre? Com quantas contamos todos os dias? Quantas coisas duram e perduram, quantas conseguimos preservar vivas nas nossas vidas? Coisas como um jornal, como o Expresso, vivo nas nossas vidas há mais de quatro décadas. Façamos planos, sigamos estratégias, sonhemos até quimeras, mas escolhamos sempre ser agora a nossa própria escolha de esperança, de otimismo, de felicidade. O que quer ser agora? O Expresso celebra agora um aniversário e também a sua própria escolha de futuro, e tê-lo hoje como órgão vital há 45 anos é uma alegria, é uma boa alegria. Não apagamos as velas, acendemo-las. Juntos. E para sabermos o que queremos ser amanhã, sejamos agora.
