Francisco Pinto Balsemão

Francisco Pinto Balsemão

Porto de abrigo para pessoas inteligentes

O QUE É e para que serve um jornal — neste caso, um semanário — em janeiro de 2018?

Faz sentido apostar numa marca com 45 anos — neste caso, o Expresso — e acreditar que ela tem um papel a desempenhar? Numa sociedade onde cada pessoa consulta, em média, 80 vezes por dia o seu telemóvel e se alimenta essencialmente de informação, verdadeira ou falsa — já quase pouco importa —, que recebe através das redes sociais?

Estas perguntas são legítimas.

Na era da pós-verdade cada um de nós tende a só procurar — e, pior, a só acreditar — aquilo que lhe agrada. Se, por exemplo e como aconteceu na campanha eleitoral nos EUA, aparece nas redes sociais uma notícia (falsa) revelando que o Papa apoia Trump, logo os apoiantes de Trump não só acreditam nela como a difundem pelo mundo inteiro, com a ajuda, claro, dos que também ficaram agradados com esse (falso) apoio.

Os hackers não existem só para penetrar em sistemas de comunicação teoricamente inassaltáveis. Existem também para espalhar, organizadamente, falsidades que convêm aos poderes políticos, económicos, culturais ou desportivos que os contrataram.

Ao ascenderem ao patamar tecnológico, as pessoas aproveitam ao máximo as maravilhas que as novas aplicações lhes oferecem. Mas essa ascensão e esse aproveitamento também contribuem para as desproteger. Nicholas Carr falava, já há alguns anos, de “divided attention disorder”, um mal de que todos padecemos: a crescente dificuldade de nos concentrarmos seja no que for. Sobretudo quando, ao mesmo tempo, somos solicitados por mensagens do Facebook, do Instagram ou do YouTube, somos inundados pelos grupos no WhatsApp a que pertencemos, tentamos, ao mesmo tempo, ver um programa de televisão, etc.

DE VEZ EM QUANDO, as pessoas inteligentes, interessadas em ser elas próprias, em pensar pela sua cabeça, as pessoas que não querem entregar-se à voragem, precisam de parar. Parar para saberem onde estão e para onde querem ir.

O Expresso é esse porto de abrigo. O porto onde as pessoas inteligentes param, refletem, pensam por si próprias, saem do turbilhão em que todos nos deixámos envolver, definem em liberdade o rumo que querem seguir.

Parar ao sábado, para, como cidadãos livres e independentes, ganharmos distância e tentarmos ter opinião pessoal sobre o que consideramos efetivamente essencial, é um exercício obrigatório para as pessoas inteligentes.

Porque esse exercício é praticado em liberdade, não haverá dois leitores que leiam o Expresso da mesma maneira. Uns leem caderno a caderno, outros vão diretos à revista E, outros dão prioridade à Economia, etc. Há quem nunca leia determinados colunistas, há quem considere obrigatório ler os colunistas que outros rejeitam a priori.

Mas todos sentem a necessidade de regularmente desfrutarem desse porto de abrigo que se chama Expresso.

Porquê? Porque, afinal, e hoje mais do que nunca, o bom, o verdadeiro jornalismo, cumprindo regras deontológicas e sujeito a sanções em caso de incumprimento, é necessário, pelo menos para as pessoas inteligentes e interessadas que não queiram andar à deriva.

Mais do que nunca, o bom, o verdadeiro jornalismo é necessário, pelo menos para as pessoas inteligentes e interessadas que não queiram andar à deriva

E o bom e verdadeiro jornalismo faz a diferença. Separando o trigo — ou seja, o que é relevante em termos de acontecimentos que marcam o presente e definem o futuro — do joio — ou seja, do lixo em que se transformou parte substancial da internet. Veiculando, por outro lado, opiniões diferentes e deixando ao leitor a decisão sobre qual delas perfilha.

O bom jornalismo obriga-nos a pensar, a selecionar, a optar. Seja acerca de temas meramente políticos seja em questões relacionadas com o ambiente ou a educação, a justiça ou a saúde, o cinema ou a literatura, as novas tecnologias ou a astronomia.

POR TUDO ISTO, o Expresso tem a sua razão de ser e deve manter a linha editorial que, desde a Censura, o PREC, a jovem democracia, a democracia mais madura, até hoje tem mantido. Claro que aproveitamos e aproveitaremos as novas tecnologias — exemplos disso, são o nosso site, o Expresso Curto e o Expresso Diário — mas, em papel ou digital, a espinha dorsal é o semanário que hoje faz 45 anos.

O Expresso de 1973 evoluiu, e ainda bem. Mas a coerência é a mesma.

Não podemos nem devemos ceder às tentações da simplificação excessiva, dos resumos que pouco adiantam. Não podemos nem devemos facilitar o superficial, a abordagem pela rama.

O Expresso é para pessoas inteligentes e, por isso mesmo, exigentes. A nossa missão continuará a ser, num ritmo semanal que não exclui o pulsar de cada 24 horas de cada dia, apontar caminhos e trajetos por entre a floresta cada vez mais densa e labiríntica das redes sociais.

Salientar o que há de positivo, apontar os riscos. Contribuir para que cada um exerça, no dia a dia, esse bem precioso que é a liberdade de escolha.

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