E assim vai o mundo
Há opiniões para todos os gostos e gostos para todas as opiniões (estes últimos foram inventados pela rede social presidida por Zuckerberg). Nunca tanta gente pôde expressar a sua opinião tão livre e rapidamente. As primaveras árabes não teriam sido possíveis sem as redes sociais e o recente protesto francês contra Macron também não. Segundo alguns analistas, Bolsonaro deve-lhes a eleição e é numa rede social que Trump anuncia as suas ideias (há quem garanta que não se trata propriamente de ideias, mas isso não altera em nada o facto de ser lá que ele as anuncia). Vivemos a época de maior liberdade opinativa de que há memória na História. Paradoxalmente, é essa mesma época que vê aumentar o número dos que se queixam de não poder fazê-lo. O editor da Relógio D’Água, Francisco Vale, em entrevista do ano passado a Diogo Vaz Pinto, resumia assim: “O Ortega y Gasset escreveu aquele livro em que diagnostica uma ‘rebelião das massas’ (…). O que verificamos é que essa ‘rebelião das massas’ tem alastrado. As redes sociais potenciam isso. Tendo [elementos] positivos, também vieram permitir que qualquer idiota possa escrever e publicar, difundir a sua opinião mesmo que esta não tenha fundamento algum. Essa rebelião assustou os intelectuais. Eles não conseguem (…) confrontar-se com o facto de a opinião dos idiotas assumir o mesmo estatuto de opiniões especializadas ou até críticas, e em termos públicos surgirem niveladas. Qualquer escritor se inibe [hoje] de ter uma opinião pública porque receia que surja desalinhada da corrente mainstream, sujeitando-se a que haja um fenómeno viral qualquer em que o desanquem a torto e a direito. (…) os intelectuais estão neste momento à defesa face a esta rebelião.” Podemos perguntar o que é um “fenómeno viral” comparado, por exemplo, com o exílio de Zola para fugir à prisão a que fora condenado na sequência da sua defesa pública do capitão de origem judaica, Alfred Dreyfus: a cada época os seus heróis, as suas vítimas e os seus intelectuais. Facto é que acaba de ser anunciado o “Journal of Controversial Ideas”, revista académica que, explicou Jeff McMahan, professor de Filosofia Moral em Oxford e um dos organizadores, “vai permitir aos autores, cujas ideias possam criar-lhes problemas com a direita, a esquerda ou as administrações das suas universidades, publicar sob pseudónimo”. Entretanto, podemos continuar a assobiar para o lado e a opinar imenso.