Os negócios da mentira
As emoções tornaram-se agora um solo fértil para uma nova atividade nas redes sociais. O modelo de negócio das redes torna possível fazer negócio com as mentiras
Há pouco tempo, as novas redes sociais eram aclamadas como magníficos instrumentos de novas formas de democracia. Todos teriam acesso a uma imensidão de fontes de informação que os permitiria tomar decisões informadas. Mais ainda, poderiam falar para todo o mundo e fazer com que a sua voz fosse ouvida. Uma nova era democrática iria florir como milhares de rosas vermelhas.
Hoje estamos a quilómetros-luz desta imagem idealizada das novas redes. Em vez de informação objetiva, temos uma polarização da informação e uma sistemática disseminação da mentira. “Fake news”, como são agora chamadas. O que correu mal? Esta é a minha resposta. O modelo de negócio utilizado pelas redes sociais para espalhar a informação é errado.
Este é o modelo: o indivíduo X distribui uma notícia via Facebook ou outra rede social. Se a notícia for marcada com um gosto por, digamos, um milhão de pessoas, a página que divulga a notícia atrai a atenção dos publicitários. O acesso a essa página permite-lhes distribuir a sua mensagem comercial de modo direto a um milhão de pessoas. O Sr. ou Sra. X que distribuiu primeiro a notícia vai ganhar: a sua página torna-se comercialmente valiosa, o que lhe permite ganhar muito dinheiro.
Este modelo não é necessariamente mau. Num mundo em que todos procuram a informação melhor e mais objetiva, este modelo não tem nada de mal. As páginas que distribuem a melhor informação são recompensadas. O modelo contribui para o surgimento de um novo mundo com pessoas mais bem informadas. Era assim que se pensava que as redes sociais iam funcionar.
O problema é que as pessoas também agem por outros impulsos que não só a busca pela verdade. As pessoas têm sentimentos como o amor, mas também o ódio; a empatia e a inveja. Estão muitas vezes irritadas por causa das coisas que (aos seus olhos) estão mal no mundo. Ficam escandalizadas com a corrupção e a injustiça. A inveja, o ódio e a raiva são sentimentos muito fortes.
Em vez de informação objetiva, temos a sistemática disseminação da mentira. O modelo de negócio das redes sociais é errado
Estas emoções tornaram-se agora um solo fértil para uma nova atividade nas redes sociais. O modelo de negócio das redes torna possível fazer negócio com as mentiras. O Sr. ou Sra. X constrói assim uma página que sistematicamente produz e distribui mentiras.
Essas mentiras devem ser de uma natureza tal que apelem às emoções de raiva, ódio e inveja. Aparentemente, as pessoas fazem gosto mais depressa, e mais espontaneamente, em notícias que ampliam a sua raiva, ódio ou inveja. As páginas que disseminam mentiras tornam-se muito lucrativas. Muitos criam estas páginas na esperança de enriquecer rapidamente, graças à disseminação de mentiras. E isto cria uma nova indústria de negociadores de mentiras.
Na origem deste triste estado das coisas está o modelo de negócio das redes sociais. Estas têm como fonte de rendimento a venda de informações valiosas de milhões de pessoas a alguns publicitários.
O segundo fator em que assenta o sucesso do negócio da mentira é que o custo de produção de mentiras é zero. Isto difere em muito com o que custa produzir a verdade. Para recolher informação objetiva é preciso fazer pesquisas dispendiosas. A produção da mentira é gratuita e tem, por isso, uma “vantagem competitiva” sobre a produção da verdade.
O que podemos fazer acerca disto? Será o regresso ao antigo modelo, como o do jornal tradicional em que as pessoas pagavam pela informação que recebiam, a solução? Esse modelo poderia ter aparecido quando a internet e as redes sociais começaram. Mas agora é, provavelmente, tarde de mais para mudar para um modelo em que os utilizadores pagam pela informação que recebem. O modelo assente na publicidade existe e não vai mudar na sua essência.
A única saída é investir mais na educação, especialmente na educação com um espectro mais abrangente: educação que permita aos jovens ter contacto com ciências, história, direito, ciências sociais, literatura, etc. Uma educação assim torna-os mais despertos para detetar a mentira e ver a diferença entre a mentira e a verdade. Isso também tornará o negócio das mentiras menos lucrativo.
Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica