Estou contigo Eugénio
Ando pelas ruas da cidade e esbarro em línguas dos quatro cantos do mundo. Já não são turistas. Estudam e/ou trabalham neste pequeno paraíso. E eles, tal como muitos outros, vivem iludidos.
Lisboa e Porto podem parecer sítios ideais para trabalhar, mas são bolhas num panorama nacional que é o espelho de uma economia que só é competitiva porque continua a insistir na receita de sempre, baixos custos salariais.
Se antes tínhamos uma economia marcada pela velocidade da cidade em relação ao passo lento de tudo o resto, hoje Lisboa e Porto caminham para junto das grandes metrópoles europeias e descolam para sempre do resto do país.
Pergunto ao promotor imobiliário se há uma bolha. Ele responde, zangado, que isso é um disparate, apenas nos estamos a aproximar dos preços praticados nas maiores cidades europeias. E, afinal, vão continuar a subir, pois ainda estamos longe dos preços de Londres ou Paris.
Fico eu zangado com a arrogância de comparar o poder de compra de Inglaterra ou de França com o de Portugal. Sou um velho. Para lá dos do Restelo. Porque me recuso a ver como estamos melhor, na moda e no umbigo do mundo. Devia olhar para os jovens millennials, os que são mesmo o futuro, porque até eu já estou ultrapassado.
Já podemos dispensar pesquisar petróleo, deixar que os portos fechem para quem exporta, permitir que estradas arrastem para a morte e que a responsabilidade de tudo e todos seja sacudida como caspa do ombro de um casaco Prada
O dito promotor, e os seus otimistas comparsas, é que estão certos. Acreditam que somos ricos. Competitivos. Modernos. O país da Farfetch, da Web Summit, da mobilidade elétrica, das estrelas Michelin. Tão certo como cem vezes zero ser cem. Por isso já podemos dispensar pesquisar petróleo, deixar que os portos fechem para quem exporta, permitir que estradas arrastem para a morte e que a responsabilidade de tudo e todos seja sacudida como caspa do ombro de um casaco Prada. Viva o país que defende baixar impostos para podermos rir e ir a festas, optando por viver à custa do crédito, no último lugar em termos de poupança, e que permite que Estados autocráticos controlem empresas em sectores vitais para a soberania nacional. Não interessam as reformas estruturais, palavras banidas. A começar no Estado, que se encostou a Costa e com ele recuou em tudo o que foi feito para mudar alguma coisa. Vamos trabalhar menos mas ganhar mais. Porque é um direito adquirido e é com eles que se constroem maiorias.
Nesta entropia coletiva esquecemos o país real. O Portugal de Eugénio dos Santos.
Eugénio quem? O empresário, dono da fábrica de colchões Colunex, diz que estamos bêbados. Toldados por essa coisa de sermos uma economia atrativa. “Portugal é atrativo porque paga salários do terceiro mundo”, grita para uma plateia incrédula. Com se atreve ele?
Atreve-se porque sabe que em Xangai, naquela China que nos passou a perna por causa dos salários miseráveis que pratica, as costureiras ganham mais 30% a 40% do que as costureiras em Portugal. Diz Eugénio que paga aos seus trabalhadores 20% acima da média nacional.
Mas o que importa isso? O futuro é da Web Summit. É dos millennials e dos centennials. Dos que nasceram de telemóvel na mão, que são amigos do bit e do byte e que não sabem, nem nunca saberão, coser um colchão.
Colecionam cursos, mestrados e doutoramentos, vivem em casa dos pais (que, com sorte, trabalham para Eugénio dos Santos e ganham 20% acima da média) e sonham fazer parte da geração ‘mileurista’, se tiverem sorte.
Portugal não mudou. Estremeceu com a troika, avançou, saltou e recuou. Só não estamos no mesmo sítio porque estamos a exportar mais. E exportamos, porque até a China já paga mais do que as nossas empresas. Não estamos na cauda, somos a cauda. Orgulhosamente, o traseiro da Europa. Mas um ‘bom’ traseiro.