MOEDAS DIGITAIS

Facebook não está “minimanente preocupado” com as empresas que já não querem ser parte da Libra

A Associação Libra foi impulsionada pelo Facebook mas dela fazem parte mais de 20 empresas. No futuro, fontes da rede social dizem esperar centenas de participantes <span class="creditofoto">Foto Chesnot/Getty Images</span>

A Associação Libra foi impulsionada pelo Facebook mas dela fazem parte mais de 20 empresas. No futuro, fontes da rede social dizem esperar centenas de participantes Foto Chesnot/Getty Images

A moeda digital que o Facebook quer criar, a par com outras multinacionais, está a perder apoiantes - e de peso. Mas dentro do núcleo duro da rede social, que tem mais de 2,4 mil milhões de pessoas inscritas, a ordem é para continuar com o projeto. Os reguladores têm inúmeras preocupações com o nascimento desta nova divisa mas, ao Expresso, uma fonte do Facebook explica como a empresa os vai convencer

Texto Ana França

Quase todas as empresas globais de pagamentos que inicialmente se juntaram ao Facebook para criar os alicerces da Libra, a nova moeda digital que a gigante rede social sonha levar às carteiras virtuais de milhões de pessoas, já desistiram do projeto. A pergunta é óbvia: se as pessoas não podem converter a sua moeda em Libra através dos sistemas já conhecidos, como o Visa ou o Mastercard, pode esta ideia sobreviver?

O Facebook diz que sim. “Não estamos minimamente preocupados com a saída dessas companhias porque há mais apoiantes e, de qualquer forma, nós queremos estabelecer um sistema novo, e não confiar totalmente no sistema lento de transferências bancárias construído há mais de 30 anos”, diz um porta-voz do Facebook ao Expresso, num telefonema a partir da divisão da empresa em Londres onde se está a estudar a implementação da Libra.

Esta segunda-feira, pela primeira vez, 21 membros da Associação Libra, um grupo de empresas que apoia o nascimento desta nova moeda e no qual se incluem nomes como Vodafone, Uber ou Spotify, reuniram-se em Genebra e o primeiro ponto na lista das perguntas do jornalistas foi precisamente esse. PayPal, Visa, Mastercard, Stripe, eBay, Mercado Pago e Booking são alguns dos nomes sonantes - se não essenciais - que já abandonaram o projeto e as vozes céticas crescem em volume e em conteúdo.

As preocupações dos reguladores, e é isso que está na origem de muitas destas deserções, parecem suficientes para soterrar o sonho de Mark Zuckerberg, por muito conhecido que ele seja por encontrar sempre forma de expandir a sua rede social. Há académicos a avisar para o perigo de que uma moeda privada possa enfraquecer a capacidade dos bancos centrais em imporem políticas monetárias mas claro que isso é visto como uma vantagem pelo outro lado da discussão, que considera uma moeda descentralizada uma forma muito mais democrática e inclusiva de aceder a serviços financeiros.

“A nossa razão de existir é conseguir que os cerca de 1,7 mil milhões de pessoas sem acesso ao sistema bancário ou com acesso precário a serviços financeiros possam transferir e receber dinheiro a uma fração do preço que agora teriam de pagar. As comunidades mais isoladas estão cada vez mais ligadas à internet mas não estão mais ligadas a balcões bancários, por exemplo, ou então não conseguem pagar as anuidades de uma conta ou cartão”, diz a mesma fonte.

Uma lista de académicos críticos desta ideia juntou-se na página “Project Syndicate” numa espécie de manifesto comum. Estão lá nomes agraciados com o Nobel da Economia e estudiosos reconhecidos de algumas das maiores universidades do mundo. Stephen Grenville, do Lowy Institute, considera que, através da sua capacidade em eliminar a maioria das barreiras tecnológicas e bancárias às transações internacionais, a Libra se vai tornar sinónimo de fuga de capital. Katharina Pistor da Escola de Direito da Columbia, diz que não há garantias de que a Libra não estivesse sujeita a uma espécie de ‘corrida aos bancos’ do estilo das que se viram em alguns momentos da crise financeira de 2008. E depois, quem vem salvar “o banco” Facebook, com 2,4 mil milhões de potenciais clientes? Fonte do Facebook diz que o problema não se coloca da mesma forma. “A Libra estará indexada a uma cesto de moedas que, juntas, não flutuam assim tanto, e por isso as pessoas não perdem dinheiro de um dia para o outro por determinada moeda ter caído a pique”. E utiliza a questão do mercado imobiliário para explicar: “Não é como numa crise financeira, em que uma casa passa a valer metade enquanto dormimos e nós ficamos a olhar sem fazer nada”.

O secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, lembrou, no início da polémica com as empresas “desertoras” do projeto Libra, que “o risco de a Libra poder limitar o alcance das ferramentas tradicionais de política monetária”, sobretudo se, “como moeda dita estável, tiver potencial para se impor de forma rápida em economias com altas taxas de inflação, instituições mais frágeis e um sector financeiro ainda pouco inclusivo”.

Outro risco seria a criação de sistemas de pagamentos privados, que "condicionem de forma determinantes as políticas que hoje promovem a estabilidade do sistema financeiro". Há ainda aquele pequeno problema que todos associamos ao Facebook: um zelo por vezes demasiado relaxado com os dados dos utilizadores. “A desconfiança em relação ao Facebook é normal, no passado tivemos alguns problemas em respeitar a expectativa de privacidade dos utilizadores mas hoje somos uma companhia mudada”, garante fonte interna da rede social. “Garantimos que, por exemplo, a nossa aplicação Calibra, uma espécie de porta-moedas digital que vai permitir transferir dinheiro, não partilhará informação com o Facebook Messenger nem com o Whatsapp, ou vice-versa”. O utilizador poderá pedir ao Facebook que liberte essa informação, por exemplo, para que, através da nossa lista de amigos, possamos encontrar a pessoa a quem queremos enviar dinheiro, “mas será o utilizador a dizer que quer abrir essa porta, não virá aberta “de fábrica”.

Como consegue então o Facebook controlar se o dinheiro está a ser entregue a um particular sem antecedentes criminais ou a uma organização terrorista, por exemplo? “Tal como hoje em conversas nas aplicações de troca de mensagens, há algoritmos que identificam localizações, intervenientes, palavras-chave que por sua vez ajudam o Facebook a identificar casos de possível fraude ou utilização ilícita das plataformas e, se a Calibra for utilizado para esses fins, seguimos com o caso para as autoridades competentes”, explica ainda.