Migrações

Contas da emigração referidas por Rio baseiam-se em estimativas do PSD

No debate de Rui Rio com António Costa, os números da emigração serviram de arma de arremesso <span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

No debate de Rui Rio com António Costa, os números da emigração serviram de arma de arremesso Foto Tiago Miranda

No debate com Costa, Rio disse que, entre 2016 e 2019, emigraram 330 mil portugueses, usando projeções feitas pelos sociais democratas. Só o INE tem dados mais recentes e são de 2018

Texto Miguel Santos Carrapatoso e Raquel Albuquerque Infografia Sofia Miguel Rosa

Os números da emigração que Rui Rio usou no debate com António Costa para provar que os portugueses continuaram a abandonar o país entre 2016 e 2019 basearam-se em projeções feitas pelo PSD. O mesmo foi assumido e explicado pelo próprio partido numa nota enviada ao Expresso, depois de António Costa ter questionado a fonte usada por Rui Rio. Ainda assim, os sociais-democratas continuam a defender a tese que levaram para o duelo a dois: mesmo depois da crise, continuam a sair milhares de pessoas porque o país continua a não conseguir fixar os quadros mais qualificados.

Esse foi, aliás, um dos momentos do debate. “Se o crescimento económico fosse fantástico as pessoas não iam embora. Sabe quantas emigraram de 2016 a 2019? 330 mil”, atirou Rio. Surpreendido pelos números, António Costa questionou aqueles valores e exigiu saber a fonte do líder social-democrata. Rio acabou por dizer que eram do Observatório da Emigração — algo que não é, de todo, rigoroso.

Na verdade, o número usado por Rio resulta parcialmente de estimativas que os próprios sociais-democratas fizeram relativamente aos anos de 2018 e 2019, assumindo que o número de emigrantes se vai manter, cerca de 86 mil em cada ano. No debate, Rio terá usado valores, não do Observatório, como sugeriu, mas do INE, cuja metodologia o PSD, aliás, contesta.

Portanto, os factos: de acordo com o INE, entre 2016 e 2018, emigraram 259 mil pessoas. Neste número estão incluídos os emigrantes temporários (que partem com intenção de ficar fora do país menos de um ano) e os emigrantes permanentes (que querem permanecer por mais de um ano). Já o Observatório da Emigração só tem dados até 2017. E conclui o quê? Que em dois anos (2016-2017) emigraram 185 mil pessoas.

O que o PSD propõe a seguir é um exercício de extrapolação: o partido admite que em 2018 emigraram 86 mil pessoas e que até ao final do ano de 2019 o fluxo se mantém e vão emigrar outras 86 mil pessoas. Tudo somado, especula o partido, entre 2016 e 2019 vão emigrar cerca de 350 mil pessoas.

Há, no entanto, dois pontos importantes: o mais óbvio é que, com os dados existentes, é impossível traçar um retrato oficial. Nenhuma das duas fontes de dados sobre emigração (INE ou Observatório) têm números relativos ao ano 2019. Estamos no campo das estimativas. Além disso, estes números não consideram as pessoas que entretanto regressaram para o país.

O que é que pode ser dito objetivamente? Isto: de acordo com dados do INE, entre 2011 e 2014 emigraram 485 mil pessoas; entre 2015 e 2018 saíram 361 mil de forma temporária e/ou permanente. Para uma análise mais fina seria preciso esperar pelos dados do Observatório da Emigração referentes a 2018 e 2019. Problema: ainda não existem.

Economia incapaz de “reter as pessoas”

Em declarações ao Expresso, David Justino defende o exercício feito pelo partido e ainda sugere que os números podem pecar por defeito. No entanto, mais do que olhar para números, o vice-presidente do PSD propõe-se a racionalizar as estatísticas: existe uma realidade que as baixas taxas de desemprego escondem.

O social-democrata argumenta que estes números de emigração são, em parte, reflexo de uma economia incapaz de “reter as pessoas, sobretudo as mais qualificadas”, que continuam a procurar a sorte noutros países, onde existes melhores salários e outras perspetivas de vida.

Além disso, defende Justino, urge olhar para os imigrantes que o país está a atrair e o nível de qualificação das pessoas que estão a chegar. “Precisamos de outra política, que induza um maior crescimento económico e que permita às empresas pagar melhores salários”, sublinha. Era essa a mensagem que Rio queria passar no debate de contra Costa.

Uma questão de metodologia

As duas fontes citadas (INE e Observatório) têm metodologias muito diferentes para recolher o número de emigrantes, dado não existir nenhum registo de saída sempre que um português escolhe ir viver para outro país. O INE recolhe o número de emigrantes temporários e permanentes através do Inquérito ao Emprego. Os inquiridos são interrogados sobre se no seu agregado familiar alguém emigrou e quanto tempo tenciona ficar a viver fora do país (menos de um ano ou mais de um ano).

Já o Observatório da Emigração recorre às estatísticas dos países de destino para contabilizar o número de entradas de portugueses. Os dados relativos a 2018 que já estão disponíveis, relativos apenas a alguns países, mostram que houve mais portugueses a emigrar para o Norte da Europa em 2018.